Grupos Ativistas disputam com mercado imobiliário por espaços públicos de São Paulo

Mestrado acompanha atividades de grupos ativistas urbanos da cidade de São Paulo de 2016 a 2018, e registra o atual caráter dessas organizações, bem como suas reivindicações para os espaços públicos

Ocupação no terreno do Parque Augusta. Fonte: FB Aliados do Parque Augusta, 2015

De crescimento considerável desde os últimos 5 anos, os grupos ativistas urbanos têm como mote a retomada de espaços públicos deteriorados. A cidade de São Paulo, por ser um cenário onde o mercado imobiliário é muito forte, e também por ser um centro de acontecimentos importantes para a sociedade civil, foi espaço para o desenvolvimento de vários desses grupos ativistas ao longo dos últimos anos. Paula Hori, formada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, escolheu-os como objeto de estudo e desenvolveu a dissertação “Práticas urbanas transformadoras: o ativismo urbano na disputa por espaços públicos na cidade de São Paulo” para entender seu funcionamento atualmente – quais, afinal, são as suas reivindicações; de que forma têm atuado; por que são criticados por um setor do próprio urbanismo. A pesquisadora enfatiza a correlação ente mercado imobiliário, degradação de espaços públicos e consequente ativação de movimentos sociais que os retomem, e por isso caracteriza a ação desses grupos como uma disputa contra as forças desse mercado. Ao longo da dissertação, no entanto, questiona se eles de fato conseguem transformar a realidade com a qual tentam lutar, ou se, de alguma forma, acabam colaborando para a continuidade da mesma.

Como método de seus estudos, ela aproximou-se de dois grupos ativistas da cidade de São Paulo: o Coletivo Ocupe e Abrace e o Organismo Parque Augusta. Foi a partir deles (além da leitura de várias bibliografias e contato com outros coletivos) que desenvolveu suas observações sobre sua atuação no município – sobre como, por exemplo, eles acabam se envolvendo o tempo todo com o poder público.

Antes de falar dos dois grupos estudados, no entanto, a pesquisadora busca, logo na introdução, dar um rápido panorama histórico de como os movimentos sociais se desenvolveram, ao longo dos últimos anos, até chegarem no seu formato atual.

Uma breve história

Tomando como ponto de partida a ditadura militar brasileira, Paula Hori relata a forma como a sociedade civil ganhou força durante o regime, na medida em que foram criados grupos e organizações populares em considerável quantidade para lutar contra o próprio governo (além de terem o controle sobre suas próprias associações). Durante a redemocratização brasileira, no entanto, passaram por uma época de enfraquecimento, uma vez que o governo promoveu uma institucionalização dos mesmos, e consequente controle de suas atividades. Durante muitos anos depois disso, permaneceram mais fracos e sem aparecerem tanto na mídia. Foi apenas em meados de 2000 que, pela iniciativa de jovens de classe mais abastada, a sociedade civil se organizou em grupos ativistas urbanos e voltou a se destacar – para reivindicar, como já dito acima, os espaços públicos deteriorados pelas forças governamentais e do mercado. Nos anos de 2010, ganharam mais voz na mídia, e, a partir de 2013, cresceram bastante em quantidade (até chegar no atual momento, em que possuem bastante força).

O Ocupe e Abrace e o Organismo Parque Augusta

No seu primeiro ano de mestrado, ainda na busca pelos grupos que estudaria, a pesquisadora deparou-se com inúmeras possibilidades. Ao perceber que várias delas tomavam um rumo atrelado à iniciativa privada (como por exemplo o grupo Acupuntura Urbana, que hoje é uma empresa que presta serviço de empreendedorismo social), tentou procurar outros caminhos: “eu queria estudar uma coisa mais de bairro, e foi quando me deparei com o coletivo Ocupe e Abrace, que atua na Praça da Nascente da Vila Pompeia”.

Ocupe e Abrace (O&A) é um grupo ativista urbano que surgiu em 2013 pela movimentação dos moradores do bairro Vila Pompeia, na zona oeste de São Paulo. Tudo começou quando a plataforma online de colaboração Cidade Democrática promoveu um concurso na região, com o tema “A Pompeia que se quer”, e pediu que os seus habitantes fizessem propostas de melhorias a serem instauradas naquele espaço. A partir da resposta de uma das moradoras – que demandava uma restauração da Praça Homero Silva para que se tornasse um ambiente de convivência social onde sua filha pequena pudesse brincar –, os habitantes dali se reuniram e se organizaram dentro do coletivo Ocupe e Abrace, que passou então a fazer grandes reformas dentro da praça.

Aquarela da Praça da Nascente. Fonte: Site Ocupe & Abrace, 2018.

Dentre as mudanças, estavam a pintura de muros, a instauração de equipamentos como lixeiras e bancos, e até melhorias ambientais, como mutirões para o desenvolvimento de lagos, o plantio de hortas comunitárias, plantas e flores, e a recuperação de nascentes. Com todo esse movimento, a Praça acabou até mesmo mudando de nome, passando a se chamar Praça da Nascente, em vista das diversas nascentes do riacho Água Preta que se encontram por ali. O poder público, a partir de então, passou a dar mais atenção a esse espaço, que antes se encontrava bastante deteriorado.

Lago desenvolvido pelo Coletivo O&A. Fonte: acervo pessoal da pesquisadora, 2016.
XVIII Festival da Praça da Nascente/Fonte: acervo pessoal da pesquisadora, 2016.

 

Já o coletivo Organismo Parque Augusta (OPA) começou a ser estudado pela pesquisadora em seu segundo ano de mestrado. Ela diz que sua vontade maior era ter escolhido um coletivo urbano que atuasse em periferias, mas, na época em que se aproximou mais de alguns deles, percebeu que o Parque Augusta era região de destaque na luta dos coletivos no momento. Isso porque, por estar no início de uma nova gestão da prefeitura (gestão Dória, 2017), os coletivos tentariam fazer novos acordos com empresas envolvidas em questões de posse do terreno, e, dessa forma, haveria desdobramentos importantes e interessantes a serem registrados.

Para contextualizar melhor, o OPA se constituiu como tal em 2014, para organizar melhor a sociedade civil que batalhava por um terreno conhecido como “Parque Augusta”, no centro da cidade de São Paulo. A disputa já era antiga: desde 40 anos atrás, a sociedade travava uma batalha contra empresas do setor imobiliário por esse terreno de 23 mil metros quadrados. De um lado, a sociedade lutava pela manutenção da área verde desse espaço, e, de outro, incorporadoras tentavam construir empreendimentos privados nesse mesmo lugar. Nos últimos anos, a Prefeitura de São Paulo e o Ministério Público Estadual vinham tentando entrar em um acordo com as incorporadoras Cyrela e Setin, com o objetivo de que a área se tornasse propriedade municipal e pudesse, enfim, tornar-se o parque almejado pela sociedade. Apesar da resistência dessas incorporadoras de fechar algum acordo, em setembro de 2018 as empresas, a Prefeitura e o MPE assinaram acordo que passa o terreno privado a domínio público, em troca de títulos de potencial construtivo. No último 6 de abril, foi assinada a escritura do parque, concretizando-o como espaço público.

Relação com o poder público

“Acabei caindo também na questão da relação desses coletivos com o poder público, porque, quando a gente fala em disputas de espaços públicos, estamos falando também da relação que a sociedade civil tem com esse poder.” Conforme a pesquisadora se aproximava das questões pelas quais os dois coletivos passavam, percebia, invariavelmente, que o poder público estava presente ali de alguma forma. Em ambas as situações, do O&A e do OPA, o Judiciário (o Ministério Público principalmente) esteve muito presente.
No caso da Praça da Nascente, surgiram novas questões que o envolviam em 2017: “uma construtora comprou terrenos vizinhos à Praça, demoliu as casas, e tinha um projeto de construir uma torre residencial com quatro subsolos – o que, pelo código florestal, seria proibido por conta das nascentes. A partir daí, o coletivo acionou o Ministério Público para lutar contra esse empreendimento”.

Já no caso do Parque Augusta, tanto o poder Executivo quanto o Judiciário estiveram implicados, uma vez que o prefeito João Dória tinha se declarado amigo da incorporadora Cyrela (o que dificultaria as reivindicações da sociedade civil pelo parque), e também porque o coletivo acionou o Ministério Público em várias situações, justamente para tentar ocupar esse lugar e transformá-lo em um Parque público.

Gentrificação causada pelos coletivos

Todas essas lutas (e todas as questões que surgem a partir delas) têm importância crucial na ocupação dos espaços públicos. Quando os grupos ativistas urbanos se reúnem, fazem-no pensando no resultado social que aquilo terá: em como suas reformas e mudanças trarão uma melhoria social para aqueles que usufruem de tais espaços. Estão tentando lutar contra o abandono do poder público causado, conforme afirma a pesquisadora, pelas forças do mercado imobiliário. O problema é que, sem querer, quando os espaços são retomados e passam por uma melhoria, aquela área (ou mesmo o entorno dela) se valoriza, e isso atrai mais investimentos do setor privado. A partir da reforma da Praça da Nascente, por exemplo, os terrenos localizados ao seu entorno se valorizaram e atraíram construtoras que planejavam (e ainda planejam) erguer prédios que poderiam prejudicar as próprias nascentes da praça. Também no Parque Augusta aconteceu isso: o mercado se apropriou das conquistas alcançadas pelos coletivos, e passou a usá-las inclusive como propaganda para atrair classes mais ricas.

Panfleto publicitário que indica o Parque Augusta entre os locais de interesse do bairro. Fonte: acervo pessoal da pesquisadora, 2017.

A pesquisadora afirma, no entanto, que, apesar de as reformas dos grupos ativistas gerarem uma possível gentrificação dos espaços, elas não deixam de ser importantes. (Gentrificação é um processo de transformação de espaços urbanos em que classes mais pobres perdem seus espaços para classes sociais mais ricas.) Deve-se pensar, junto às ações de melhorias, em mecanismos de inclusão social que não eliminem as conquistas feitas pelos coletivos.

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