Pensar solução para a crise ambiental fora do sistema capitalista é inefetivo

(Créditos: Maria Eduarda Nogueira)

A crise ecológica global é um tema que abala a comunidade científica há décadas. Frequentemente, são propostas alternativas como energias renováveis e agricultura orgânica. O problema reside no fato de que, muitas vezes, tais propostas estão dissociadas daquilo que é a base da sociedade: o sistema econômico. Em uma tentativa de entender esses dois fenômenos juntos — a crise ambiental e o capitalismo contemporâneo —, o pesquisador do Instituto de Energia e Ambiente (IEE), Carlos Meza, formulou sua tese de doutorado.

Apesar dos esforços da comunidade científica global, por meio de acordos e metas climáticas, a situação continua crítica. As emissões de carbono continuam aumentando, tendo atingido um recorde em 2017, segundo a Organização Meteorológica Mundial. Isto foi justamente o que motivou Meza a iniciar a pesquisa: por que estamos falhando?

O pesquisador procurou entender as relações intrínsecas entre energia e sociedade, fazendo inicialmente uma contextualização histórica. É possível perceber que as transições energéticas globais — ou seja, as mudanças drásticas na matriz energética global — têm relação íntima com as grandes revoluções. A transição da lenha para o carvão mineral, por exemplo, não foi resultado de uma mudança espontânea da sociedade. Algum fator teve de impulsioná-la. Nesse sentido, é crucial compreender a Revolução Industrial para analisar o contexto contemporâneo.

Além de ter alterado completamente o modo de vida da sociedade moderna, a revolução também foi responsável por consolidar os combustíveis fósseis como principal fonte de energia. “A Revolução Industrial se constrói baseada no carvão mineral e se consolida com a combustão interna de Henry Ford e a eletricidade”, explica o doutor do IEE.

As inovações industriais trouxeram progresso e crescimento econômico sem precedentes históricos para a Europa e para os Estados Unidos. Contudo, vieram com um acompanhamento indesejado: os altos níveis de poluição. “De fato, desde o século XVIII, há registros de pessoas na Inglaterra falando que o carvão mineral é um desastre”. Em uma análise mais profunda, a crise ecológica atual tem suas raízes nesse momento de trezentos anos atrás.

A dificuldade de dissociar o desenvolvimento econômico e o aumento do uso da energia foi então a premissa básica da pesquisa, que contém análise de dados energéticos e econômicos de todos os países com mais de um milhão de habitantes. “As dificuldades de descarbonizar a economia [a diminuição das emissões poluentes de gás carbônico nos processos produtivos] estão muito associadas ao sistema econômico. Porque quando você cresce economicamente, você precisa de mais energia. E essa energia adicional ainda vem principalmente dos fósseis”, resume Meza.

Dentre tantos países analisados, quatro chamaram a atenção: Estados Unidos, Dinamarca, Reino Unido e Alemanha. O que o intrigou foi o fato de que esses países estavam num processo de “descasamento”. Ou seja, estavam diminuindo suas emissões poluentes de gás carbônico e seu uso de energia per capita, ao mesmo tempo em que cresciam em termos econômicos. Seria essa uma possibilidade? Os métodos utilizados por eles poderiam ser aplicados a outros países ao redor do globo? Se a resposta fosse positiva, seria possível repensar todo o sistema, diminuindo o impacto ambiental sem prejuízos ao crescimento econômico.

No entanto, as respostas encontradas pelo pesquisador foram muito mais complexas do que um simples “sim” ou “não”.

Esses quatro países analisados estão se desindustrializando aceleradamente há décadas, o que significa que as indústrias — grandes emissoras de poluentes e consumidoras de energia — estão perdendo espaço na economia. Mas isso obviamente não significou que eles se privaram de produtos industrializados. Nesse contexto, um novo ator entra em cena: a China. “Grande parte das mercadorias chinesas vão para esses países. As emissões são contabilizadas na China, mas consumidas nesses países”, explica Meza.

A questão é que a matriz energética chinesa é majoritariamente ocupada pelo carvão mineral, segundo dados do Banco Mundial. Apesar de ser grande investidora em energias “limpas” (com mínima emissão de poluentes), ultrapassando os Estados Unidos, a participação desse tipo de energia na matriz ainda é pouco significativo.

Em resumo, os quatro países citados pela tese não estão inovando o sistema. Estão apenas transferindo seu impacto ambiental para outro país. O que, na prática, não resolve a crise ecológica global.

A divisão da matriz energética brasileira, que apesar de ter grande participação de energias renováveis, ainda é dependente dos combustíveis fósseis. (Créditos: Maria Eduarda Nogueira)

Os combustíveis fósseis são a única alternativa?

A superação dos combustíveis fósseis é um tema difícil. Primeiramente, porque a transição energética envolve, historicamente, uma revolução tecnológica, como foi o caso da Revolução Industrial, que consolidou o carvão mineral na matriz energética global. Além disso, a participação mundial das fontes renováveis, excetuando-se a hidrelétrica, ainda é mínima — apenas 3,6%, segundo os dados apresentados na tese de Meza.

Os combustíveis fósseis estão presentes em nossa vida de modo muito mais profundo do que apenas como fonte de energia. O exemplo mais marcante é a Revolução Verde, que aumentou substancialmente a produção mundial de alimentos, e só foi possível graças aos fertilizantes, produzidos a partir desses recursos naturais.  

Ademais, o petróleo tem suas inúmeras vantagens, como a possibilidade de armazenamento e o transporte relativamente simples através de gasodutos. Contudo, o ponto mais importante e sensível desse recurso natural não está relacionado a esses aspectos, e sim à geopolítica envolvida em todos os âmbitos, da extração à exportação.

A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) exerce influência considerável em todo o mercado mundial. “Os países consumidores ficam dependentes da OPEP. Porque se a OPEP reduz a produção, os preços aumentam. É um oligopólio”. Por estar diretamente atrelado ao capitalismo e ao modo de vida urbano industrial, o petróleo ainda é mais atrativo para as economias desenvolvidas, que investem em energia limpa, mas não o suficiente para promover a transição energética necessária.

Assim, Meza é categórico quando fala sobre a transição global: “Historicamente, é um processo demorado. Acho que é possível de ser feita, mas vai demorar. Portanto, duvido muito que as metas climáticas vão ser cumpridas”.

A fim de resolver verdadeiramente o problema da crise energética global, é preciso representar todo o sistema. Os acordos climáticos são uma iniciativa válida, mas insuficiente. “O processo de acumulação de capital, inerente ao sistema capitalista, é agressivo e precisa ter uma materialidade biofísica, ou seja, precisa de recursos naturais”, explica o pesquisador do Instituto de Energia e Ambiente. Com isso, algumas soluções pontuais, como o vegetarianismo ou o decrescimento planejando, tornam-se propostas isoladas, relacionadas a um viés cultural e essencialmente voluntário.

A natureza do capitalismo é de crescimento, tornando paradoxais as medidas de redução do consumo. “O que eu tento colocar na minha tese são essas contradições. Às vezes, há uma tendência a isolar a questão ambiental e tecnológica das energias renováveis da dinâmica econômica e política”.

A resolução da crise ecológica global não é um tema fácil. Não apenas as questões ambientais estão envolvidas, mas também os sistemas econômicos e decisões políticas. O problema fundamental não é tecnológico. Há diversas fontes de energia renováveis disponíveis. A questão é saber o quanto elas se adaptam ao sistema capitalista contemporâneo.

2 Comentário

  1. A matéria está muito bem fundamentada. Vamos ter esperança que esta abordagem colabore para criar uma nova consciencia no mundo capitalista em prol dos habitantes do planeta terra.

    • Obrigada! De fato, espere que esse conhecimento produzido em universidade pública possa se expandir e impactar o planeta de modo geral.

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