Disponibilidade hídrica de São Paulo é dez vezes menor que recomendada pela ONU

Problema de abastecimento hídrico na cidade e região metropolitana não é exclusivo dos momentos de crise

Os aquíferos subterrâneos são fundamentais para sustentabilidade hídrica da RMSP / Ricardo Hirata, 2012

Você já parou para pensar sobre a qualidade da água que você consome? Em meio a crise hídrica que a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) passou em 2015, vários questionamentos sobre o uso e a qualidade da água vieram à tona.

A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que, para se ter uma sustentabilidade hídrica, é necessário se disponibilizar de 1.500 a 2.000 metros cúbicos de água por habitante. Isso significa que, para não se ter um colapso hídrico e garantir uma média segura por habitante, o volume mínimo ideal por ano seria um 1,5 milhão de litros de água por habitante.

Na RMSP, a disponibilidade hídrica é de apenas 143 metros cúbicos por habitante por ano. “Esse número é extremamente pequeno, menos que dez vezes menor do que seria o mínimo de segurança”, aponta Reginaldo Bertolo, professor do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo.

Diretor do Centro de Pesquisas de Águas Subterrâneas (CEPAS-USP), Bertolo fala sobre a fragilidade do sistema hídrico da maior e mais populosa região metropolitana do país. Mesmo em épocas que não são secas, trabalha-se no limite e, na época de secas, temos nas nossas torneiras água de menor qualidade.

Dentro deste cenário, a água subterrânea é muito importante. A RMSP está situada numa região de águas subterrâneas não tão produtivas, de permeabilidade menor do que a do aquífero Guarani. Isso gera poços com menores vazões. “A característica principal do uso da água subterrânea na região metropolitana de São Paulo é de que ela serve como um abastecimento complementar privado”.

As indústrias, condomínios, clubes, postos de combustíveis descobriram que usar um poço tubular é mais viável do que pagar para a Sabesp. A vazão de poço é suficiente para estes estabelecimentos, mas para o órgão de abastecimento público não é tão viável gerir vazões tão baixas. “O sistema de abastecimento público depende da água subterrânea”, aponta.

Atualmente, estão contabilizados cerca de 12 mil poços tubulares com baixa vazão. Somando a vazão desses poços, chega-se a média de dez metros cúbicos de água por segundo, o que equivale a vazão do sistema do Alto Tietê inteiro, sistema que abastece todo o suprimento de água da zona leste metropolitana.

“Esse sistema Alto Tietê garantiu o abastecimento de toda a zona leste de São Paulo durante a crise hídrica e estamos falando de uma quantidade de água desta natureza. As concessionárias de abastecimento de água de São Paulo operam no limite da sua capacidade e, se por um acaso, essa vazão de água subterrânea faltar, as concessionárias entram em colapso sem precisar ser numa situação de seca”, explica o professor.

Através dos estudos desenvolvidos pelo Cepas, inclusive os relatórios e estudos na época da crise hídrica, os pesquisadores observaram que o uso desses poços tubulares é essencial para a o funcionamento do sistema de abastecimento público. Por isso, principalmente no caso de São Paulo, a água subterrânea tem um valor inestimável para a segurança hídrica da região.

Poços legais x poços ilegais

Outro ponto preocupante é que o poder público não consegue ter um controle do uso da água subterrânea, desde a quantidade quanto à qualidade dela. No caso dos postos irregulares, aqueles que não tem outorga do estado para funcionarem, acabam sobrecarregando o sistema de abastecimento subterrâneo. A falta de conhecimento sobre eles e em qual vazão eles operam acaba dificultando a quantificação dos impactos que prejudicam todo o sistema.

Pela existência de postos construídos sem autorização, Bertolo aponta como problema a questão da quantificação da vazão utilizada. Dessa forma, não há como prever e existem informações pouco esclarecedoras sobre a quantidade de água disponível.

Áreas com sinais de superexploração das águas subterrâneas / Cepas-USP para Sabesp

Além disso, a extração excessiva das águas subterrâneas pode ocasionar o que Bertolo chama de exaustão local do Aquífero.  Isso significa que a extração e bombeamento dessa água é maior do que a quantidade de água que ela recebe. Essa recarga ocorre naturalmente, através do recebimento de água da chuva ou quando, por exemplo, as águas vazam das tubulações e acabam recarregando esses reservatórios subterrâneos naturais.

A extração excessiva também ocasiona rebaixamento desses aquíferos, fazendo que ele pode ser perfurado em camadas cada vez mais profundas. Isso também pode chegar num ponto da bomba gastar tanta energia para puxar essa água que é mais viável utilizar água da Sabesp do que aumentar a conta de energia elétrica, sendo negativo para o abastecimento público.  

Uso desordenado afeta sua qualidade

A extração desordenada afeta não apenas a quantidade de água disponível, mas também a qualidade da água ofertada. A superexploração afeta a vazão dos aquíferos, fazendo com que as bombas dos poços trabalhem mais e esse bombeamento excessivo faz rebaixar o nível dos aquíferos, fazendo com que reverta o fluxo do rio para os aquíferos. Os vazamentos de esgotos, de postos de combustíveis e indústrias podem recarregar e contaminar os aquíferos.

No mapa,  em laranja,  são áreas industriais e os poços estão em preto/ CEPAS-USP

A contaminação dos aquíferos por solventes organoclorados é uma das grandes preocupações dentro das pesquisas do professor Bertolo. Estes altamente poluentes e largamente utilizados em ambientes industriais. Por serem solventes mais densos do que a água, sua remoção e tratamento é mais trabalhoso. Além disso, a degradação desses solventes resulta em substâncias mais nocivas e tóxicas do que sua substância original.

Outro foco da pesquisa do diretor é a situação de áreas contaminadas. A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) registra seis mil áreas contaminadas. Para Bertolo, esse número é bem maior.

Em contrapartida, só as áreas potenciais de contaminação ultrapassam a quantidade de áreas registradas. São cerca de 8.400 postos de abastecimento de combustível no Estado de São Paulo, onde cerca de 2.400 estão na região metropolitana. Ainda existem lixões e aterros sanitários, oficinas mecânicas, lavanderias, mais de duas mil áreas industriais abandonadas que fazem com que a situação seja ainda mais preocupante.

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