Lei do risco psíquico para bebês falha ao não trazer ações práticas

A publicação abriu discussão para a possibilidade de prevenção do autismo

(Ilustração: Luda/SAÚDE é Vital/Editora Abril)

Com a sanção da Lei 13.438 em abril de 2017, o debate sobre a prevenção do autismo eclodiu no país. Popularizada como a lei do risco psíquico, ela obriga a aplicação de protocolos para a detecção de problemas psíquicos em bebês de até 18 meses. A publicação abriu margem para questionamentos sobre ser possível prevenir o autismo. “Ao mesmo tempo que é possível fazer um trabalho de intervenção precoce com bebês, existe uma complicação ao transpor essa prática por meio das políticas públicas”, destaca Leticia Vier Machado do Instituto de Psicologia da USP.

A pós-graduanda abordou o assunto no artigo Autismo, Psicanálise e Prevenção. Para ela, não é viável observar os sinais de autismo, que são tão delicados, por meio de consultas públicas. Para isso, é preciso tempo e de cuidado por meio de pessoas próximas, o que nem sempre pode ser feito em uma consulta de rotina. O trabalho de Vier, então, se concentra em mostrar o cuidado e a delicadeza dos sinais de desenvolvimento psíquico.

A psicóloga, como mostra o título da pesquisa, abordou a prevenção do autismo por meio da psicanálise. Nessa linha de pesquisa, não se relacionam sinais específicos a determinada patologia, mas se atenta ao que não é observado e o que isso pode significar, indo em uma linha diferente da psiquiatria, que procura um determinado sinal ou um sintoma. “Trabalhar no desenvolvimento e na observação de bebês pensando no que deveria acontecer e não está acontecendo, mas sem considerar isso um sinal específico de autismo”, explica Leticia.

Nesse sentido, não é possível prevenir autismo. Existe até uma problemática dentro da psicanálise com o termo prevenção, porque para isso, pressupõe-se que se saiba do quê e, nesses casos, não se sabe ainda se o bebê desenvolverá tal patologia, principalmente quando se trata de saúde mental. No campo das políticas públicas, procura-se uma solução eficaz para prevenir, mas não há como generalizar esses casos, já que cada bebê segue um curso de desenvolvimento. “É a possibilidade de criar desenvolvimento quando se detecta que tem algo que devia estar acontecendo e não está”.

A autora também fala dos estímulos precoces e cita Julieta Jerusalinsky, psicóloga especializada em clínicas com bebês, falando das profecias auto realizáveis. “Às vezes, a gente antecipa um diagnóstico e passa a produzir esse diagnóstico”, isso porque os cuidadores acabam vendo a criança a partir da lente do autismo. Esse, de acordo com Leticia, é um dos perigos do diagnóstico precoce.

No artigo, ela elenca três sinais de que o desenvolvimento do bebê não está bem e que isso pode indicar algo. Como já dito, não necessariamente a possibilidade de um autismo, mas que os estímulos podem prevenir que venha a ser. Um dos sinais apresentados na pesquisa é o advento da não instauração do terceiro circuito pulsional. O circuito da pulsão é algo estabelecido por Freud. Nele, espera-se que, em determinado momento, o bebê possa investir a pulsão no outro e se satisfazer ao ver o prazer gerado no outro.

Como exemplo, Letícia fala sobre o ato da mãe fazer cócegas no filho e o bebê dar risada pelo prazer que sente, mas não só isso. Ele ri por saber o que aquilo causará na mãe. É o gozo de causar prazer no outro. “É captar o prazer do outro a partir da relação consigo mesmo”. Outro sinal possível é o brincar como meio de acesso à intersubjetividade. Como a criança não fala e a psicanálise se baseia na linguagem para atingir a subjetividade, o ato do brincar compartilhado do bebê é o que dará acesso a isto. Partilhar a brincadeira mostra que ele está em relação.

O terceiro sinal, novamente, é sobre algo que não se apresenta e deveria se apresentar, a troca de olhares. Espera-se que o bebê, em algum momento de seu desenvolvimento, troque olhares com seus cuidadores. O desvio do olhar ou a recusa, ambos significam coisas diferentes, pois a recusa é uma ação ativa, sinalizam que algo na relação está no campo do fechamento.

Em relação à lei que alterou uma disposição do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Letícia acredita que existiam outros caminhos. “Ao mesmo tempo que ela aponta uma lacuna, ela cria um problema”. A lei trouxe visibilidade e aumentou o debate da questão da saúde dos bebês no campo das políticas públicas, porém não foi articulado como ela seria operacionalizada na prática. A 13.438 “não aponta os caminhos para dar conta dessa falha”.

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