Conservação ambiental garante sobrevivência das atividades econômicas

Biólogas da USP analisam possíveis cenários para o meio ambiente com o novo governo federal

Avanços econômicos e ambientais não devem ser vistos como contraditórios, mas como complementares. Imagem: Sérgio Cardoso/Ed. Globo

Pelo menos por parte da Ecologia, a ideia da conservação ambiental como entrave para o desenvolvimento econômico já deixou de ser considerada há anos. Sabe-se que, pelo contrário, os caminhos que levam a uma produção econômica consolidada passam pelas iniciativas de conservação do meio ambiente. O princípio, porém, ainda aparece no discurso de representantes políticos e em parte da sociedade brasileira, tornando necessária a atualização do debate no país.

Cerca de dois terços da dieta dos seres humanos vêm de plantas polinizadas por animais. Entre os responsáveis pelo processo, que permite a produção de sementes nessas plantas, estão as abelhas. Se, por exemplo, um proprietário rural decide que irá destruir a mata que contorna sua fazenda de café, observará, como consequência, a perda das abelhas nativas do local. Resultado: queda da produtividade da fazenda, uma vez que a colheita de café depende da ação dos animais polinizadores.

O exemplo é de Cristina Camargo Banks-Leite, professora do Departamento de Ciências da Vida na Imperial College London e orientadora de doutorado no Instituto de Biociências (IB) da USP: “A conservação do meio ambiente é imprescindível para que se garanta a sobrevivência e a alta produtividade das atividades econômicas”.

Segundo o presidente que assumirá o governo federal em janeiro, Jair Bolsonaro, os órgãos estatais responsáveis pelo controle e fiscalização do meio ambiente no país, Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), porém, “prejudicam aqueles que querem produzir” e patrocinam uma “indústria das multas” sobre os produtores rurais.

A ideia do combate ao crime ambiental associado ao lucro, retomada nos últimos meses no país, não se comprova diante dos fatos, como aponta a professora Cristina. Para ela, fica claro, por exemplo, perceber a inconsistência da noção a partir do desdobramento do desastre de Mariana, como ficou conhecido o episódio ocorrido em 5 de novembro de 2015, quando 34 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério de ferro jorraram do complexo de mineração operado pela empresa Samarco em Mariana (MG), provocando a morte de 19 pessoas, o soterramento de comunidades e a destruição de 663,2 quilômetros de cursos d’água: “Se esses órgãos estivessem lucrando, o desastre seria o exemplo ideal para mostrar o quanto combater crimes ambientais pode ser uma atividade lucrativa. Na realidade, até agora, quase nada do valor das multas foi pago pela Samarco”, explica.

Ainda que as multas desse crime ambiental fossem pagas, 20% do valor iria para o Fundo Nacional do Meio Ambiente, destinado a projetos socioambientais no território nacional, e o restante iria para o Tesouro da União, segundo declaração de Suely Araújo, presidente do Ibama, em entrevista ao jornal O Tempo. “Não existe ‘indústria da multa’, o que existe, na realidade, são pessoas cometendo crimes ambientais, que estão fora da lei, e por isso são multadas pelo Ibama”, completa Cristina.

Em plano registrado no Tribunal Superior Eleitoral, o futuro presidente reforçou, também, que os licenciamentos ambientais dificultam a construção de usinas hidrelétricas no país, por exemplo, uma vez que levantam “barreiras intransponíveis” a essas obras. Segundo ele, esses projetos deverão, em seu governo, ser avaliados em um prazo máximo de três meses. A noção já foi reiterada pela futura ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS), que declarou que o Ministério do Meio Ambiente será “totalmente reestruturado para uma política do que pensa esse governo, de simplificação”.

Como define o Manual de Licenciamento Ambiental, do Ministério do Meio Ambiente, o procedimento permite que o poder público, representado por órgãos ambientais – como o Ibama –, autorize e acompanhe a implantação e a operação de atividades que utilizam recursos naturais e que sejam consideradas ou potencialmente poluidoras. Para isso, a legislação diz que o empreendedor deve buscar o licenciamento ambiental junto ao órgão competente, desde as etapas iniciais de seu planejamento e instalação até a sua efetiva operação.

O primeiro passo do licenciamento de obras com significativo impacto ambiental, como a usina de Belo Monte, é a apresentação ao poder público do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), que, a partir da avaliação do solo, água e ar do local, verifica se a área contém danos ambientais provocados por empresas e prevê quais serão os efeitos sociais, econômicos e ambientais resultantes da implantação do empreendimento.

Para Ana Lúcia Brandimarte, professora e chefe do Departamento de Ecologia do IB-USP, esse estudo, por exemplo, demanda tempo e não pode ser superficial. “Quando o poder público pede um EIA para ver se irá apoiar ou não uma obra, é complicado dizer ‘vamos rapidamente liberar isso’. O que alguns veem como ‘entrave para produção’, eu vejo como cuidado”, considera.

A necessidade e as possibilidades de mudança para o Ibama, por exemplo, não são ignoradas pelas biólogas Cristina e Ana, inclusive em relação a concessão de licenciamentos ambientais. Mas, elas acreditam que a simplificação desses procedimentos não estaria orientada para o uso sustentável do meio ambiente. “Essa ideia estaria mais voltada para favorecer as pessoas que estão querendo burlar as leis ou ‘dar a volta’ pela legislação visando explorar o meio ambiente de forma predatória”, aponta Cristina.

A desqualificação do trabalho de um órgão de controle e fiscalização ambiental por representantes políticos, segundo a professora Ana, representa, ainda, um “desserviço à população”, considerando a influência do discurso de uma figura pública sobre o meio social, o que pode levar a adoção de atitudes que vão na contramão da legislação ambiental.

“As pessoas podem pensar, por exemplo, ‘então eu posso desmatar, porque o Ibama não vai conseguir me dar multa’. Elas se sentem validadas pelo discurso do presidente, seja para o desmatamento ou outras violações”, completa Cristina.

Mudanças climáticas e turismo ambiental

Em dezembro de 2015, durante a COP21 (a 21ª Convenção das Partes sobre Mudança do Clima) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, 195 países comprometeram-se  a adotar objetivos de longo prazo no sentido de manter o aumento da temperatura global “muito abaixo de 2ºC” até o final deste século. Esse seria o ponto a partir do qual o planeta estaria condenado a um futuro sem volta de efeitos climáticos extremos como secas, tempestades e enchentes.

O Brasil, por exemplo, comprometeu-se a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% até 2030, em relação ao nível registrado em 2005 a promessa é considerada uma das mais ambiciosas do chamado Acordo de Paris.

No país, o desmatamento de florestas responde pela principal fonte de emissões de gases de efeito estufa. Por isso, entre as ações estabelecidas para o alcance da meta, estão a eliminação total do desmatamento ilegal e a restauração de 12 milhões de hectares de florestas.

O tratado ambiental, para o presidente eleito, fere a ‘soberania nacional’ e coloca a ‘gerência’ da Amazônia em risco. Em mais de uma ocasião ao longo de sua campanha, ele revelou a intenção de tirar o Brasil do acordo, declaração renunciada pouco antes das eleições do segundo turno.

Quando se fala em soberania, a professora Ana considera importante, em primeiro lugar, entender os significados que estão sendo atribuídos à palavra. “O que é soberania nacional? Se soberania é sinônimo de ‘fazer o que eu quero, porque é meu’, isto é, exploração ilimitada da floresta, por exemplo, então sim, o Acordo de Paris limita o uso da floresta”, considera. O que o tratado ambiental faz, explica a bióloga, é impedir o uso predatório não só da Floresta Amazônica, mas de todos os outros biomas do país.

Uma possível forma de preservação do meio ambiente defendida pelo novo governo é o turismo em unidades de conservação. Segundo Bolsonaro, “se tivessem hotéis em áreas protegidas, o meio ambiente estaria preservado”.

Há a possibilidade de reverter o dinheiro gasto pelas pessoas em parques ambientais, por exemplo, em processos de restauração florestal nessas áreas. É importante, porém, considerar as características da atividade turística que se pretende fomentar nesses espaços, para a professora Ana. “De que turismo estamos falando? As pessoas teriam preparo para ir até esses lugares e não degradá-los, por exemplo?”, questiona.

O subaproveitamento do turismo ambiental no Brasil está relacionado, sobretudo, a infraestrutura turística deficitária do país, segundo a professora Cristina. Ela defende que a questão deve ser pensada, primeiro, em termos de viabilizar as condições necessárias para essa atividade. “E a renda do turismo não deve vir em detrimento do repasse direto do governo federal, que tem a função de defesa dessas unidades, como evitar a caça ilegal”, reitera.

Para a bióloga Ana, ainda, as atividades ligadas ao turismo, como a contemplação de paisagens naturais e da diversidade de ambientes e espécies, não devem vir em desagravo dos outros serviços ambientais, que são os benefícios obtidos direta ou indiretamente da natureza e não estão apenas ligados à cultura, mas à regulação do clima e ao controle da polinização, por exemplo.

Entre as discussões do futuro presidente relacionadas ao meio ambiente, Ana, que atua na área de impactos ambientais sobre os corpos hídricos, destaca que não identificou, até o momento, planos de conservação dos reservatórios de água do país. Cristina, que trabalha principalmente com ecologia de comunidades tropicais e paisagens, aponta a ausência da questão da manutenção das iniciativas de reflorestamento da Mata Atlântica e acredita que o Brasil, assim como o mundo, precisa se preparar para o futuro de mudanças climáticas, que, por sua vez, não são uma “ideologia”, mas uma realidade já perceptível.

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