Evento em São Paulo discute situação da museologia no Brasil

I Encontro de Pesquisa em Museus e Museologia da USP ocorreu em dezembro

Museu Paulista da USP (Foto: José Rosael / USP Imagens)

Desde o incêndio que atingiu o Museu Nacional, em setembro deste ano, muito têm se discutido a situação geral dos museus brasileiros. Repasse de verbas, condições de conservação das obras e até o modo como a população enxerga estes locais são algumas das questões que afligem instituições do tipo, justificando o receio sobre qual delas poderá se tornar a próxima a sofrer algum dano irreparável como o que houve no Rio de Janeiro.

Em meio a este contexto incerto, São Paulo ganhou um novo lugar para debates sobre o tema. O primeiro Encontro de Pesquisa em Museus e Museologia da Universidade de São Paulo (I EPMM USP) ocorreu na capital dos dias 3 a 6 de dezembro. Do início ao fim, o evento foi marcado pelo protagonismo de uma das categorias que mais contribui na manutenção destes espaços: os pesquisadores.

Novo espaço de diálogo

O encontro começou a ser organizado em janeiro deste ano. Como conta Leonardo Vieira, mestre em Museologia pelo Programa de Pós-Graduação Interunidades em Museologia (PPGMus) da USP, o único grande evento semelhante que existia até então era o Simpósio Internacional de Pesquisa em Museologia (SinPeM), também promovido pela USP. Embora já tenha consolidado sua importância na área, o foco internacional do SinPeM acaba não dando tanto destaque para a discussão sobre a produção brasileira ‒ e foi essa demanda que o EPMM veio atender.  “Nosso evento surgiu tanto com a ideia de ser um espaço de divulgação das pesquisas produzidas no PPGMus quanto para estabelecer um diálogo dessas pesquisas com outras museologias nacionais”.

Ao mesmo tempo, foi uma oportunidade de relacionar profissionais e estudantes de diferentes níveis de ensino dentro da museologia. “Não existe um curso de graduação em museologia em São Paulo, mas existe em outros estados do Brasil. Esse diálogo, essa troca entre nós do mestrado e os alunos de graduação, não ocorria”. A proposta atraiu ainda alunos do ensino técnico, pós-graduação e até mesmo docentes.

Museu de Zoologia da USP, onde ocorreram parte das mesas do EPMM (Foto: Marcos Santos / USP Imagens)

Para que tudo fosse possível, houve algumas dificuldades. Denyse Emerich, também organizadora e mestranda no PPGMus, conta que eles tentaram buscar financiamento via Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), mas, apesar de terem alcançado uma pontuação boa nos editais, não conseguiram as bolsas. Assim, o evento foi realizado principalmente a partir de verbas repassadas pelo Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE), o Museu de Zoologia (MZ) e o Museu Paulista (MP), além de uma parte pequena que veio do valor cobrado pelas inscrições. “É com esse dinheiro que fizemos um ‘quebra-cabeça’ para conseguir dar o mínimo de material para o encontro”, relata Denyse.

Para Leonardo, a própria realização do evento pode ajudar nesse sentido. “A partir do momento em que essas várias museologias estão unidas, em maior diálogo e contato, isso torna a área mais forte politicamente, faz com que a gente consiga se organizar para atender certas demandas que são próprias do nosso campo. Acho que o evento tem muito esse caráter”.

O evento

A programação deu conta de abordar uma grande variedade de tópicos, como educação em museus, conservação, restauro, colecionismo, entre outros. Além das apresentações das pesquisas, quatro professores de cursos de Museologia ao redor do país foram convidados para trazer conferências sobre temas importantes na área.

No primeiro dia, o professor Bruno Brulon, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), falou sobre os desafios políticos para as pesquisas em museologia, abrindo o evento já com uma discussão sobre o contexto atual brasileiro. No terceiro, o assunto foi a função dos museus no debate sobre gênero e sexualidade, com Jean Baptista, da Universidade Federal de Goiás (UFG). Por fim, houve uma conferência com Joseania Miranda, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), sobre descolonização do olhar na Arte Decorativa, e uma com Fernanda Albuquerque, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que discutiu o papel exercido pelos museus universitários.

O segundo dia do evento foi dedicado somente a visitas técnicas aos quatro museus da USP. Como muitos dos participantes vieram de outros estados, foi uma oportunidade de visitar os locais com olhar especial, tendo atividades com o objetivo de apresentar o acervo, estrutura e dinâmica de pesquisas de cada um.

Perspectivas para o futuro

Após uma primeira edição de sucesso, os planos agora são que o EPMM torne-se um evento bienal, revezando com o SinPeM, que também ocorre ano sim, ano não.

No cenário geral, o futuro para a museologia brasileira é imprevisível. “Com o Museu Nacional, houve comoção tanto por parte da população quanto dos órgãos governamentais”, opina Denyse. “Mas, no final das contas, ao invés de pensarem em resolver a questão do Museu Nacional e se debruçarem para melhorar a situação dos museus, resolveram acabar com o Ibram”. Ela refere-se ao Instituto Brasileiro de Museus, que, conforme Medida Provisória assinada pelo presidente Michel Temer em 10 de setembro, será extinto e substituído pela Agência Brasileira de Museus (Abram).

Ainda não é clara qual será a política do governo Bolsonaro para os museus por enquanto, ainda não é clara qual será a política do governo Bolsonaro para os museus (Foto: José Cruz / Agência Brasil)

O impacto da decisão ainda é incerto, uma vez que ela foi publicada poucos dias após o incêndio do Museu Nacional e ainda sem muitos detalhes sobre como será a transição e como funcionará a nova a Agência.

Enquanto isso, os profissionais do setor se organizam e aguardam os passos da próxima gestão federal. “Estamos muito atentos, para assim que definirem o que o governo novo pensa a respeito da museologia, atuarmos logo em seguida, tanto internamente, como profissional, quanto como pessoas que são da área e podem contribuir com o novo governo na discussão dos novos rumos”, diz Denyse. “Esperamos que o governo não faça nada cem por cento de cima pra baixo, mas escute aqueles que têm especialização na área”.

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