Estudo inédito usa corrente elétrica para tratar depressão bipolar

A técnica é capaz de regular a excitação dos polos cerebrais e poderá substituir o uso de medicamentos no futuro

A pessoa com depressão bipolar alterna entre estágios de tristeza e euforia. Foto: Logo da campanha 'Depressão Bipolar - Está na hora de falar sobre isso'.

Pela primeira vez na história da literatura médica, uma técnica que usa corrente elétrica de baixa intensidade foi empregada para tratar pacientes com depressão bipolar. O estudo do setor de psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP analisou a utilização do método em um grupo formado exclusivamente por portadores da doença, algo até então inédito. Os resultados mostram que a aplicação das microcorrentes elétricas através de eletrodos posicionados em regiões específicas do cérebro conseguem regular os pólos neurais de excitação que caracterizam a doença, assim diminuindo as típicas variações de humor nas pessoas que sofrem da enfermidade.

A depressão bipolar é uma condição psicológica que submete o paciente a dois estágios de humor: um negativo, responsável pelo sentimento de tristeza, e outro positivo, que gera a sensação de euforia. Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), essa é a enfermidade que mais causa mortes por suicídios dentre as doenças mentais no Brasil. Atualmente, estima-se que seis milhões de brasileiros são afetados.

Para Bernardo Sampaio, organizador do estudo, a utilização da técnica como mecanismo de tratamento poderia, além de reduzir custos, substituir o uso de medicamentos com maiores danos ao paciente. “Uma das vantagens dessa técnica é que ela é barata. Então, na atenção primária à saúde, ela custaria menos para o Estado do que o uso de medicamentos, por exemplo”. E prossegue: “Você poderia estimular por dia algo como 20 ou 30 pacientes com um só aparelho”.

A técnica citada pelo pesquisador chama-se estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC) e, embora já seja usada para tratar a depressão comum (unipolar), nunca havia sido testada em pacientes com depressão bipolar. O aparelho utilizado para aplicar a ETCC é formado por dois eletrodos, um de pólo elétrico positivo (ânodo) e outro negativo (cátodo)

A depressão bipolar é uma doença que se traduz justamente na existência de uma área do cérebro (ou polo) que é excessivamente eufórica e outra que é negativa ─ ou apagada. O que a ETCC faz, então, é reduzir a euforia do polo positivo e aumentar a do negativo, como explica o pesquisador: “O ânodo tende a causar um aumento da excitabilidade neural da região que está baixa, enquanto o cátodo provoca uma redução”. A partir disso, as regiões cerebrais passam a ser sensorialmente mais balanceadas, o que diminui picos e variações de humor exageradas.

Sampaio pondera que a ETCC é um procedimento clínico não invasivo e que as correntes elétricas aplicadas nos pacientes são tão baixas que não possuem potencial para causar alterações neurais ou mesmo dor física. Ele explica que um dos pontos mais positivos dessa técnica é a quase completa ausência de efeitos colaterais: “pelo que temos na literatura até hoje, dois sintomas são mais prevalentes: vermelhidão e coceira, decorrente da própria injeção de corrente. São reações cutâneas simples e passageiras”.

Embora o pesquisador classifique os resultados obtidos como animadores, ele adverte que o estudo encontrou respostas positivas apenas nos estágios primários da doença. Sampaio também exalta a necessidade de outras investigações para validar o que encontrou. “Foi um estudo muito relevante com publicação na maior revista de psiquiatria do mundo”. E completa: “Então, provavelmente essa pesquisa tende a ser um ponto de partida para que outras surjam, ratifiquem ou neguem os resultados aos quais chegamos”.

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