Colônias de aves são fontes secundárias de contaminação na Antártica

Pelo menos oito espécies de aves auxiliam na disseminação de poluentes para o ambiente

Petrel-gigante-do-sul (Macronectes giganteus), uma das utilizadas no estudo. Imagem: Caio Vinícius Cipro.

Um estudo realizado no Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo indica que colônias de animais estão servindo de pontos locais de contaminação na Antártica. O trabalho publicado a partir de resultados obtidos na pesquisa de pós-doutorado de Caio Vinícius Cipro concluiu que para vários contaminantes – tanto elementos-traço, quanto poluentes orgânicos – as colônias servem de fonte secundária para o aparecimento desses compostos até mesmo em locais distantes, como é o caso da Antártica.

De acordo com Cipro, a literatura já consolidada no assunto não considera os agrupamentos de animais como possíveis fontes locais de contaminação. A teoria adotada é de que, para os contaminantes orgânicos, a maioria majoritária chega pela atmosfera e se deposita lá através de um efeito chamado Destilação Global.

“A literatura clássica desconsidera o fato de que quando os animais se agrupam, eles defecam, urinam e morrem nas colônias. Os compostos que estão nos organismos deles são depositados ali e aquele agrupamento por si só pode ser considerado como um ponto local de contaminação” explica Cipro. Seu estudo não exclui a teoria da destilação global, mas a complementa a partir de uma segunda fonte de contaminação.

A destilação global

O efeito da Destilação Global, conhecido também como “Grasshopper Effect” (efeito gafanhoto, em inglês) ocorre de maneira que os contaminantes utilizados principalmente em locais mais quentes, próximos à região Equatorial, evaporam por conta da temperatura e são levados, pelo padrão de circulação atmosférica, por massas de ar para lugares mais frios. Ao chegar nesses lugares frios, os contaminantes se condensam e são retirados da atmosfera através da chuva ou da neve, passando a contaminar a água do mar. O nome usual vem da analogia do movimento do gafanhoto, que salta, assim como a transmissão desses poluentes, que pulam de região para região.

“O quadro geral é: esquentou, evaporou, foi arrastado para um lugar mais frio, esfriou, condensou. E isso repete até chegar num lugar tão frio, que essa mobilidade vai sendo cada vez menor. É por isso que os ecossistemas polares acabam sendo sumidouros, como a gente gosta de falar. São lugares em que eles chegam muito mais do que são levados” resume o pesquisador oceanográfico.

O problema é que essa contaminação do mar leva a dois efeitos conhecidos como Bioacumulação e Biomagnificação. Enquanto o primeiro corresponde ao processo de acúmulo, através da respiração e da alimentação, desses compostos em uma quantidade maior do que ele é capaz de eliminar, o segundo nada mais é do que esse efeito repetido ao longo da cadeia trófica. Neste caso, animais que estão muito distantes do topo da cadeia terão níveis de contaminação muito maiores do que o que chega pela atmosfera. É dessa maneira que as aves antárticas acabam tendo contato com os contaminantes.

Para a professora Rosalinda Carmela Montone, professora do IO-USP e orientadora dos trabalhos de Caio, esses compostos – que são considerados semivoláteis – para evaporarem precisam estar submetidos à temperaturas acima de 7 graus Celsius. Ao contrário do que se pode imaginar, na Antártica há temperaturas positivas. “Aí vem a outra preocupação: o aquecimento do planeta. Se começar a aquecer, libera esses compostos. Então uma coisa acaba refletindo na outra também” lembra a professora.

Isso se dá pois a neve é extremamente eficiente para aprisionar esses compostos da atmosfera, por conter grande superfície. Se ocorre o aumento da temperatura, essa neve derrete, entregando todos os contaminantes que estavam aprisionados nela. Portanto, “a consequência direta do aumento da temperatura, das mudanças climáticas, do aquecimento, é que uma quantidade imensa de contaminantes que está aprisionada na neve vai acabar sendo liberada e vai chegar no mar mais cedo ou mais tarde”, Cipro complementa.

Colônia como fonte de contaminantes

Ao todo, Cipro analisou 14 elementos-traço (componentes dos processos biológicos), entre eles alguns metais pesados. “Os dois mais importantes, os mais presentes, são mercúrio e cádmio”, destaca. As amostras foram coletadas em 13 locais diferentes da Antártica durante os verões de 2013/2014 e 2014/2015.

Caio fazendo as coletas de amostras do Pinguim de Adélia (Pygoscelis adeliae) na Antártica. Imagem: César Santos (Unisinos).

Ele analisou oito espécies de aves diferentes, três delas de pinguins do gênero Pygoscelis, que ganharam destaque, não apenas por serem as mais frequentes, mas por formarem as maiores colônias. “O fato dos pinguins formarem colônias maiores mesmo tendo nível trófico menor, aparentemente é mais importante para o papel da colônia como fonte de contaminante. É isso que a gente vai analisar numa publicação futura”, conta o pesquisador.

Para chegar aos resultados, foram coletadas amostras de líquen, musgo e solo, dividindo em três grupos de análise para cada amostra, separados em poluentes orgânicos, elementos-traço e isótopos estáveis. O estudo pôde concluir que as colônias estudadas, para os elementos traço (metais pesados), funcionam certamente como fonte de matéria orgânica, mercúrio e cádmio, e possivelmente como fonte de arsênio, selênio e zinco. E mais do que isso, a fonte desses elementos é a própria colônia.

A conclusão foi possível através da correlação entre esses metais e a quantidade de matéria orgânica encontrada e de análises isotópicas das amostras próximas e distantes da colônia. Contudo, ainda não há nenhuma indicação de que essas concentrações nos corpos dos animais possam afetar sua vida diretamente. De acordo com Cipro, são efeitos indiretos, acabam funcionando apenas como indicador global. “Eles passaram a fazer parte do ciclo natural pela influência antrópica” explica a professora Montone.

“Nesse trabalho, acho que o mais importante dele é mostrar que o fato da gente não considerar esse movimento da vida, as aves como vetores, acaba introduzindo um certo viés na interpretação dos dados de poluição, porque a gente sempre ignora as colônias como fonte” conclui Cipro. Além disso, para a professora Montone, o trabalho também apresenta uma função essencial para os estudos da ciência na região “Tem muitos dados no Hemisfério Norte, onde teve o uso mais intenso desses poluentes. No Hemisfério Sul a gente tem menos informações, então realmente fica uma lacuna aqui na nossa área. A gente quer contribuir não só na Antártica, mas em toda parte do Hemisfério Sul”.

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