Polo de Ecoturismo aumenta segregação social em São Paulo

Rica em recursos naturais e pobre em recursos sociais, região vive processo de expulsão da população

Moradores de Parelheiros em arrecadação de alimentos. Foto: Marlene Bergamo/Folhapress

A promessa de sustentabilidade na criação do Polo de Ecoturismo de São Paulo pode estar sendo cumprida, mas a parte do desenvolvimento dentro do termo “desenvolvimento sustentável” não contempla os moradores da região. É o que consta na pesquisa A produção da natureza na reprodução da metrópole: o caso de Parelheiros e Marsilac, extremo da zona sul da cidade de São Paulo, produzida no Departamento de Geografia da USP. Nela, a geógrafa Léia Chrif de Almeida explora os efeitos das políticas ambientais e do turismo nos distritos de Parelheiros e Marsilac.

O território é considerado patrimônio ambiental e está sob proteção desde 1975, quando foi estabelecida uma lei estadual de preservação dos mananciais. Sua ocupação se deu justamente nessa época, com a reconfiguração da metrópole paulistana. Expulsa do centro de São Paulo e dos bairros mais estruturados, a população mais pobre migrou em direção à periferia. Como a lei de proteção ambiental levou ao rebaixamento do valor dos terrenos com proprietários, em Parelheiros e Marsilac, foi para lá que essas pessoas foram. Onde era possível morar. “Não foi uma ocupação via movimento social, mas sim via compra”, destaca Chrif.

Dentre aproximadamente 200 bairros registrados em Parelheiros, 70% são irregulares, ou seja, ocupam Áreas de Preservação Permanente (APPs). Essa ilegalidade é utilizada pelo Estado para justificar a escassez de recursos nesses lugares. Não se questiona, entretanto, as barreiras legislativas impostas nas áreas centrais. Conforme a pesquisadora pontua, só quem tem condições de obedecer a essas leis é a camada mais rica da população.

De acordo com o Mapa da Desigualdade da Primeira Infância, da Rede Nossa São Paulo, 63,25% das casas em Parelheiros não têm acesso à rede de esgoto. Em Marsilac, o saneamento básico não alcança 1% dos domicílios. Pensando em um espaço tão empobrecido, Léia trouxe um questionamento para o centro do debate: as iniciativas de preservação ambiental servem a quem?

Para ela, a maneira como são aplicadas essas políticas reforça a segregação socioespacial. “Quando começamos a pensar em políticas em um espaço, e elas são via nicho de mercado, acabam excluindo uma população que não pode ter acesso a isso. O mercado é excludente”, explica. “O que se percebe ali é que tem um movimento de fechamento ou de mercantilização daqueles espaços. Então uma cachoeira que antes era aberta, hoje se paga 20, 30 reais”.

Em 2014, a Prefeitura decidiu direcionar o desenvolvimento sustentável da região para o turismo. Criou-se então o Polo de Ecoturismo de São Paulo. “Alguns vão falar que isso gera renda. No entanto, em espaços visitados durante o trabalho de campo, a mão de obra não era local”. Ela revela que, em conversa com empresários da área do turismo, foi-lhe dito que “a população de Parelheiros não sabe trabalhar”. Além de preconceituosa, a fala desmistifica o discurso de que adotar o turismo em um território necessariamente gera renda para seu povo.

Outro problema encontrado por Chrif no projeto é o fato da população local não conhecê-lo. Em acesso a um relatório de uma empresa de consultoria, que simula possíveis clientes, descobriu que o público esperado para o Polo vinha das regiões mais ricas de São Paulo, como a Vila Madalena. “O turismo de Parelheiros não é para os moradores de Parelheiros. Isso faz com que esse espaço se torne estranho para quem mora lá”.

Imersa no tema desde sua iniciação científica, e mesmo antes, por ter Parelheiros como cidade-natal, a autora pretende continuar os estudos. Para ampliar sua pesquisa, pretende ir em busca de discussões em torno de termos como “gentrificação verde”. A gentrificação verde diz respeito a projetos sustentáveis que levam à expulsão da população pobre que habita a região-alvo.

Ela enfatiza a criminalização das classes mais baixas e a diferença de discurso que existe quando se mora no centro ou nas centralidades. “Se a gente pega um Ibirapuera, ou um Villa Lobos, são parques que atuam para a especulação imobiliária. Eles conseguem alçar aqueles terrenos e aqueles imóveis a um preço astronômico. As pessoas vão para lá, aquilo atrai”, ilustra. “Quando isso vai para a periferia, esses espaços servem primeiramente como uma ponta de lança para expulsar a população pobre”.

Há ainda muita terra vazia no extremo da zona sul de São Paulo. Terras que não podem ser ocupadas, mas que constantemente são reivindicadas por movimentos sociais. Ela acompanhou uma dessas ocupações. “Esse foi um dos meus maiores problemas dentro da pesquisa, porque ao mesmo tempo que é importante preservar aquele lugar, as pessoas precisam morar”, discorre. “Quando não se tem onde morar, a linha tênue entre a humanidade e a não humanidade está ali. O problema não é o morador pobre. Ele é vítima, um excluído do sistema habitacional. Morar na cidade de São Paulo é um privilégio”.

1 Comentário

  1. Muito oportuno esse artigo. Gostaria de saber se trabalhos como o do IBEAC http://www.ibeac.org.br/parceiros/ estão ajudando a reverter esse quadro. A propósito, moro na Vila Madalena e tenho vontade de fazer turismo nessa região, com essa pegada de sustentabilidade.

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