Iluminação altera percepção de espaços públicos durante à noite e é prejudicial em excesso

O tipo de luz e a intensidade influenciam na percepção do ambiente noturno e na saúde das cidades brasileiras

Ambientação resultante das luzes é fundamental para a percepção do indivíduo. Foto: Joel Vargas/PMPA

Muitas são as diferenças entre a sensação na iluminação de um espaço público durante o dia e durante a noite. Foi essa a motivação de Ítalo Pereira Fernandes, arquiteto pós-graduado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAUUSP), para estudar quais são as impressões que as pessoas têm ao encarar espaços públicos em iluminação noturna e quais são as consequências para a saúde. Na dissertação de mestrado intitulada Iluminação e sua influência no espaço noturno: as impressões do usuário no processo de planejamento da luz, Ítalo destacou a função da luz na ambientação pessoal e os malefícios das lâmpadas de LED nesses locais.

O estudo foi realizado, majoritariamente, no Largo de São Frei Pedro Gonçalves, em João Pessoa, na Paraíba, e se estende para outros pontos de mesmo caráter público. No lado empírico, a pesquisa contou com três cenários virtuais: um que Ítalo chamou de “atual”, e outros dois projetados com diferenças nas características da iluminação – temperatura de cor, por exemplo. Através da realidade virtual, onde essas cenas foram desenvolvidas, 14 pessoas puderam explorar o novo ambiente através da tecnologia, e expressar as impressões que cada uma obteve durante o experimento.

Segundo Ítalo, o caráter subjetivo de cada tipo de iluminação é responsável pela identificação e intimidade com o ambiente no qual o indivíduo está inserido. Quando a questão se transpõe para o ambiente público noturno, a mesma comparação é feita, automaticamente.

No resultado do experimento, o arquiteto encontrou grande relevância na quantidade e tipo de luz. Nomeando a temperatura de cor como romântica, aconchegante, depressivo, desestimulante, entre outros adjetivos, as pessoas responderam que quanto mais claro o ambiente – ou seja, com iluminação mais fria – menos aconchegante ele se caracteriza. Essa conclusão é tomada por Ítalo como um grande identificador do pertencimento do indivíduo ao espaço público.

Iluminação pública

Espaço de estudo da pesquisa. Fonte: Ítalo Fernandes; Google Maps

O principal problema, de acordo com o pesquisador, percebido na impressão com a iluminação pública, é a falta de planejamento arquitetônico dos órgãos responsáveis pela instalação das lâmpadas. Sem um arranjo que priorize o ambiente em si, a maioria desses espaços contam com uma iluminação que visa a via de automóveis. “As normas de iluminação pública são muito voltadas para o carro, então, geralmente, eles especificam como seria na via em que o carro vai passar, e deixam de lado as calçadas, que são a parte mais importante”, apontou o arquiteto.

O aspecto da temperatura de cor, abordado por Ítalo na pesquisa, vem da pesquisadora holandesa Ingrid Vogels, da Universidade Técnica de Eindhoven. Segundo esse conceito, existem diversas nuances que marcam a percepção de um ambiente de acordo com a tonalidade apresentada pela luz. “A temperatura de cor dá sensação. A luz quente não necessariamente dá calor, mas você percebe esse espectro de luz que vai do vermelho ao amarelo, e ao contrário também”.

O pesquisador exemplifica com o caso das trocas de lâmpadas em Roma. As novas luminárias portam uma temperatura de cor mais fria, causando estranhamento na percepção de turistas e nativos, acostumados com a luz mais quente, que remetia aos tempos onde a cidade era iluminada por tochas e caracterizou a capital da Itália. “Em Roma, as lâmpadas são todas nessa temperatura de cor mais quente, então existe uma ambiência. A partir do momento que você troca por lâmpadas mais frias, que vão para um espectro de luz mais azulado, começa a se comparar com hospital, supermercado, escritório. E isso está mudando muito a paisagem”, afirmou.

No Brasil, a mesma tendência vem acontecendo, mas sem a preocupação paisagística, apenas no âmbito da eficiência energética. A pesquisa também propõe que a troca na iluminação, principalmente com a implementação de LED, traz malefícios além da percepção dos espaços. “O que muda, na realidade, é que a iluminação é um dos fatores que melhoram a qualidade de vida e a segurança, mas só ela não resolve o problema da cidade”.

Quanto mais luz, melhor?

Segundo Ítalo, não é bem assim. A maior quantidade de luzes de LED pode afetar o ambiente ao entorno e ainda ser um fator prejudicial do sono. “Está incorporado em nós que quanto mais iluminação melhor, mas isso dá uma certa problemática do ponto de vista ambiental. Por exemplo, se a gente vai iluminar um parque, não pode ser intensamente, porque vai influenciar no ecossistema, influencia no bichinho que vai acordar mais cedo”, explicou.

O pesquisador destacou que, apesar de mais urbanizadas, cidades maiores também sofrem com essa dinâmica da iluminação excessiva por conta das lâmpadas de LED. Nesse sentido, o maior problema é na luz azulada que inibe a produção de melatonina, um importante hormônio responsável por regular o sono. “Naturalmente a gente tem um ciclo de descanso, então quando vai chegando a noite, a gente deveria ir se isolando de certas fontes luminosas, e hoje em dia a gente não consegue mais”.

A forma como as luminárias são dispostas também afetam a vida noturna da cidade, mesmo quando a intenção é ficar no escuro. “É muito comum que a iluminação pública invada a janela das casas. As luminárias, que são colocadas nos postes, não tem qualidade nem controle óptico que faça com que seja direcionada corretamente, então quando eles colocam lá a iluminação vai pra todo canto”, pontuou.

Com o doutorado de mesma linha em segmento, Ítalo espera que os resultados da sua pesquisa possam alertar para a necessidade de planejamento arquitetônico também para os projetos de iluminação nas cidades brasileiras. A pesquisa girou muito em torno da criação desse processo metodológico a partir do que seria o conceito de atmosfera. As pessoas querem esse espaço: é a paulista que fechou, o carnaval que tá na rua. As pessoas querem se apropriar do espaço público, e porque não fazer isso à noite também?”.

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