Pesquisador da USP desenvolve algoritmo que define prioridade de internação em UTIs

Resultados obtidos mostram forte correlação com a opinião de médicos especialistas

Foto: Lorenzo Cafaro/Pexels Images

Um estudo realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (FM) da USP produziu um algoritmo capaz de calcular a prioridade de pacientes que aguardam por uma vaga em unidades de terapia intensiva (UTI). Executada pelo pesquisador João Gabriel Rosa, como parte de seu projeto de doutorado, a pesquisa apontou fortes semelhanças entre os resultados obtidos pela ferramenta e a opinião clínica de médicos especialistas. Na prática, o algoritmo poderá ser usado para auxiliar os profissionais da saúde a definir a prioridade de internação em UTIs com escassez de vagas.

O projeto procurou avaliar um instrumento de apoio à tomada de decisão para a triagem de pacientes com pedido de vaga na UTI. Para isso, foram realizadas duas etapas: na primeira, um algoritmo capaz de definir a prioridade de internação foi criado sob critérios de validação propostos por um corpo médico de experts. Na segunda, o instrumento foi desenhado na forma de um Checklist que avalia o grau de necessidade da internação através de um questionário.

Em ambos os casos, o resultado foi positivo. Tanto o algoritmo computacional quanto a ferramenta de checklist se mostraram efetivas no apoio à tomada de decisão. No primeiro cenário, os resultados obtidos pelo algoritmo e pelo grupo de experts mostraram forte correlação, comprovando, assim, que o invento estabelece prioridades de internação muito semelhantes a de médicos experientes. No segundo experimento, após a adoção do checklist, houve uma redução de cerca de 65% no número de internamentos considerados como potencialmente inapropriados.

O pesquisador conta que muitas vezes o prognóstico de internação pode ser influenciado por caracteres subjetivos, e que por esse motivo o algoritmo pode auxiliar até mesmo os médicos mais experientes na hora de encaminhar um paciente à UTI: “O processo de alocação de pacientes em leitos de unidades de terapia intensiva é altamente subjetivo, sendo sujeito a diferentes vieses”, desse modo, “Uma grande proporção de leitos de UTI pode estar sendo alocado de maneira potencialmente inapropriada, sem benefício clínico para os pacientes”, explica.

Atualmente, segundo a resolução 2156/2016 do Conselho Federal de Medicina (CFM), a admissão e alta de pacientes nas UTIs é uma competência atribuída ao médico intensivista. Além disso, cada serviço hospitalar precisa ter um protocolo próprio que converse com as necessidades e limitações do hospital. Por exemplo, baseando seus acolhimentos em UTI através do diagnóstico ou estado clínico do paciente. Considerando que muitas vezes o critério adotado pelos centros de tratamento é o modelo de priorização por necessidade, os instrumentos testados pelo pesquisador se mostram viáveis no sentido de que podem minimizar possíveis interferência externas como a predileção subjetiva por determinado paciente na tomada de decisão por parte do médico responsável.

João explica que, hoje, ferramentas como as que desenvolveu para sua tese de doutorado podem se fazer úteis devido o número de vagas em UTIs não suprirem o recomendado pelo Ministério da Saúde. Além do número insuficiente, o pesquisador também comenta que há uma grande concentração de leitos no Sul e Sudeste em detrimento de outras regiões do país. Outro fator que se levanta é a não equidade da relação entre vagas em hospitais públicos e privados. “O Brasil sofre com dois grandes problemas que agravam a escassez de leitos. Existe uma variabilidade regional muito grande na disponibilidade de leitos de UTI, com metade deles disponíveis na região Sudeste”. Complementa: “Além disso, há desigualdade também na disponibilidade de leitos nos sistemas de saúde público e privado, em que quase metade dos leitos de UTI disponíveis estão no sistema privado, que atende entre 20% e 30% da população, e a outra metade estão no sistema público, que atende entre 70% e 80% da população”.

Porém, segundo o especialista, o aumento do número de leitos, embora fundamental, não é tudo que precisa ser feito para mudar o quadro que se tem hoje. Para ele, sem um refinamento de resolução dessas unidades, ou seja, na ausência de processos e espaços com condições aprimoradas, não há maneira de avançar: “Além de aumentar o número de leitos de UTI, torna-se necessário aprimorar a capacidade de resolução dessas unidades, sob o risco de apenas se aumentar o custo do sistema, sem impacto clínico-assistencial significativo”.

Futuro e Saúde

Assim como em outras áreas do conhecimento, a implementação de mecanismos antes inimagináveis hoje já é realidade no campo da saúde. Cada vez mais, dados são coletados, catalogados e processados por algoritmos que realizam processamentos impossíveis para os homens. Em síntese, esse tipo de sistema funciona catalogando um número finito de possíveis procedimentos que podem ser adotados para se chegar à melhor solução para um dado problema. No caso do algoritmo desenvolvido por João, por exemplo, diversas informações clínicas dos pacientes são recolhidas e, ao final do processo, o método informa quais internações seriam mais indicadas. Essa prioridade é estabelecida quando o algoritmo compara os dados entre pacientes.

Contudo, João comenta que, embora esse tipo de ferramenta tenha potencial para auxiliar nas tarefas humanas, é improvável, ao menos na medicina, que ela substitua o serviço prestado por um médico, por exemplo: “Esses instrumentos auxiliam, mas não substituem a tomada de decisão humana”. O pesquisador completa dizendo queA humanidade já vem utilizando algoritmos semelhantes em outras situações que antes eram resolvidas através da interação humana”. E, “Cada vez mais, é possível que o papel do profissional de saúde venha ser a trazer o que é humano para relação com o paciente: a capacidade de ouvir, entender, acolher e aconselhar, ajudando a integrar as informações técnicas com os objetivos de vida de cada paciente”.

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