Pesquisa mostra características das séries que conquistam a audiência

Apesar de se semelhar em vários pontos, o gosto da crítica e do público se difere quando se trata do gênero favorito por cada um

Narrativas fantasiosas são as que mais engajam o público. Ilustração: André Bergamin (Reprodução)

As séries de televisão se tornaram o grande vício dessa década. Milhares de episódios são consumidos diariamente via canais abertos, fechados, internet e sistemas de streaming pelos telespectadores. Visto o tamanho sucesso deste formato, o professor Sílvio Antonio Luiz Anaz, que estuda produções audiovisuais de sucesso desde a graduação, decidiu direcionar sua pesquisa de pós-doutorado nas séries dramáticas de televisão e entender o que gera o engajamento do público.

O artigo Atributos de séries dramáticas de sucesso e engajamento da audiência, lançado pelo pesquisador na revista Significação (ECA-USP), é o último resultado da pesquisa desenvolvida. Nele, Silvio começa a análise desde o processo de criação, verificando inicialmente quais as diferenças entre as produções cinematográficas e as séries televisivas, construindo uma narrativa do processo até a fruição do produto. Após falar da produção, o autor começa a focar no consumo das séries pelo público.

Para entender o que gera o engajamento, o docente procurou as principais características das séries bem-sucedidas. No âmbito da crítica, as séries dramáticas que mais agradam são as que tem formato serial, ou seja, são compostas por arcos longos, possibilitando a continuidade de tramas por vários episódios e até temporadas. Outra característica são as estratégias complexas de narrativa. O megagênero realismo, baseado em narrativas que imitam a realidade e que não possuem interferência de elementos sobrenaturais, é o que chama atenção da crítica. “A crítica em si coloca mais valor nas narrativas realistas, isto é, entende que de alguma forma elas educam, contribuem”, conta Silvio.

Depois da análise das séries premiadas que agradam a crítica, o autor passa para a preferência do público. Os espectadores também têm o formato serial como preferido e preferem a estratégia de narrativa complexa e as produções de canais por assinatura, assim como os críticos e as premiações. Porém, enquanto para a crítica o gênero favorito é o realismo, o público se atrai pelas ficções científicas e pelo gênero fantasia.

“Talvez a gente esteja em um processo de reencantamento do mundo”, analisa o pesquisador. “A pessoas cansaram de ver pela ótica tão realista e estão em busca de narrativas mais fantasiosas, um pouco mais encantadas”. Ao ser perguntado se isso seria uma forma de fuga da realidade para o ser humano, o autor responde: “Faz parte de uma tentativa de reequilíbrio psico-social das pessoas”. Para ele, o escapismo é uma resposta vaga.

A pesquisa, além de enumerar as características das séries televisivas que atraem a audiência, também tenta entender o porquê dessas preferências. Sobre o formato serial, além de possibilitar a continuidade das tramas, permite que as personagens sejam bem exploradas, tendo profundidade psicológica e personalidades bem desenvolvidas. Isso faz com que o público fique conectado por muito mais tempo às histórias, podendo se identificar com as personagens.

Ao contrário do cinema que tem uma experiência imersiva, a série pode gerar certa dispersão por ser consumida em computadores e celulares, porque pode-se pausar e fazer outra atividade conjuntamente. No entanto, ela possibilita uma participação ativa do espectador. Pode-se consultar a internet para eventuais dúvidas e voltar para alguma cena que não tenha entendido. Em seu artigo, Silvio fala que o uso de múltiplas teclas aumenta a compreensão do espectador. Além disso, há a possibilidade de uma colaboração coletiva entre os fãs das séries via redes sociais, os fandons, e isso acaba estimulando o público a acompanhar o conteúdo.

Comparando os números de séries com maiores fandons, Silvio percebeu que as que mais engajam a audiência possuem “múltiplo protagonismo”, como Lost e Game of Thrones, o que aumenta o leque de personagens que o espectador poderá se identificar. Também destacam-se as séries com concepções de espaço-tempo não convencionais, sendo aquelas que andam pelo passado e presente ou como em Westworld, em que existe o tempo linear dos humanos e o circular dos androides. Esses elementos tornam as tramas mais desafiadoras para quem a assiste.

Outro recurso que fisga o público é quando os roteiristas deixam pontas soltas, fazendo com que a audiência preencha as entrelinhas. Uma estratégia dessa linha é trabalhar com mistérios e teorias da conspiração. Silvio, em sua pesquisa, chega a conclusão que “tais características aliadas a determinados recursos narrativos têm estimulado maior grau de engajamento e de atitudes ativas da audiência em relação aos temas e desafios colocados pelas narrativas”. Ou seja, narrativas inteligentes que possibilitem a participação ativa do público são as mais bem rentáveis e mais bem sucedidas.

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