USP analisa potencial sistema agroecológico de pastagem

Pesquisadora observou como o estado de Santa Catarina implementou técnica econômica e ambientalmente mais viável

Animais em um pasto que recebeu o MIP. Crédito: Andréa Castelo Branco

Um dos grandes desafios que marca as pautas ambientais é manter um equilíbrio entre sua aplicação e os interesses econômicos. Os projetos que contém ambas as características costumam atrair muita atenção para si. Foi este fator que chamou a atenção de Andréa Castelo Branco. Seu doutorado buscou analisar a aplicação do conhecido sistema de Manejo Intensivo de Pastagem (MIP), que é a rotação dos animais em pequenas áreas, na produção de leite da cidade de Santa Rosa de Lima, em Santa Catarina. A novidade nesse caso, é que com apoio governamental, esse modelo está sendo testado de forma agroecológica. Apesar de positivos, os resultados ainda não encantam, demonstrando uma transição lenta para fim do uso de agrotóxicos no local.

Manejo Intensivo

A ideia do MIP não é nova. A premissa do modelo é utilizar a racionalidade para melhorar a produção pecuária. Primeiramente, os pastos são divididos em pequenas áreas, conhecidas como piquetes. Naqueles que possuem melhor qualidade — identificados a partir de análises prévias — o agricultor coloca o gado com maior demanda energética, como vacas em lactação, que estão produzindo leite. Após o pastoreio ser feito, eles são encaminhados para o próximo piquete enquanto os animais com menor demanda energética, como vacas secas e bezerros, se dirigem ao primeiro local. Depois de determinado tempo, o processo se repete, e assim por diante até que retornem ao espaço inicial.

Para funcionar corretamente, o modelo depende de cálculos que definem a quantidade de piquetes em que a terra será dividida e o tempo que os animais permanecem em cada um. O objetivo é sempre obter um produto de melhor qualidade possível. Assim, esses valores numéricos mudam de acordo com o terreno e seu tipo de pasto. “Você dá aos animais a melhor qualidade de pasto, porque não permite que ocorra sobrepastoreio, danificando a pastagem e forragem”, explica Andréa, que defendeu sua pesquisa pelo Instituto de Energia e Ambiente da USP (IEE).

O projeto em Santa Rosa de Lima é coordenado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A cidade foi escolhida por já apresentar um histórico de produção orgânica, sendo assim ideal para o começo do estudo, que posteriormente se tornou política pública de todo o estado. A pesquisa chamou a atenção de muita gente, porque apresenta um diferencial: a aplicação do MIP de forma agroecológica. Ou seja, os agricultores da região são incentivados a não utilizarem fertilizantes químicos e herbicidas, algo com poucas referências até agora nessa área de estudo.

Andréa com o produtor Bertílo Vandresen, que participou do projeto em Santa Catarina. Crédito: Darci Pitton Filho

Resultados econômicos

Em uma análise econômica, esse fator faz grande diferença. “Como os animais são rotacionados, quebra-se o ciclo de vida de alguns parasitas reduzindo a incidência de problemas sanitários e doenças e, portanto, o custo com medicamentos”. Além disso, com um pasto de melhor qualidade, também diminui-se o gasto com fertilizantes químicos e ração, já que os animais vão ter uma menor demanda por esse tipo de alimentação. “De 1999 até os dias atuais, a área de pasto no local diminuiu e a produção de leite só aumentou. Isso me faz concluir que os produtores estão utilizando o pasto de forma mais eficiente”.

O único investimento necessário é a contratação de pessoal para moldar a racionalidade de processo, que na região é feito pelos próprios pesquisadores da UFSC. De forma geral, as entrevistas da doutora com os agricultores revelaram que grande parte deles tem um lucro maior ao aplicar esse modelo.

Resultados ambientais

O curioso é que, por enquanto, o objetivo ainda não se concretizou. Diversos produtores da região ainda utilizam herbicidas e fertilizantes em algumas épocas do ano. “Fiquei surpresa. Ainda mais porque estavam usando mais do que os que não utilizam o MIP”.

De acordo com Andréa, a explicação é simples. Diversos especialistas da área afirmam que o processo de transição de um modelo convencional para o agroecológico pode ser demorado. Muitos produtores rurais demoram a abandonar totalmente certos hábitos, principalmente porque estes trazem resultados mais rápidos que o ciclo natural. Outro fator, é a forte influência gerada pela lábia dos fabricantes em torno de seus agrotóxicos. Como conta a pesquisadora, é normal que se tenha mais confiança nessas pessoas do que na academia.

Ainda assim, ambientalmente, os resultados positivos são muitos. Com a possibilidade de se colocar mais animais por área, o agricultor normalmente pensa em dois caminhos: comprar mais animais ou utilizar o espaço ”sobrando” para outra atividade. A questão é que ambas demandam investimento. Assim, o que vem acontecendo em Santa Rosa de Lima é que, sem possibilidade de fazer novos gastos imediatos, o produtor rural acaba deixando de lado essa parte de sua terra. “Essa área que não está sendo mais utilizada eles abandonaram, e elas foram naturalmente sendo reflorestadas e recuperadas, fazendo parte da floresta nativa”.

Além disso, a criação de novas áreas de mata nativa ajuda os animais, criando uma espécie de corredor ecológico. “A área de pasto é de baixa qualidade, porque deixa a presa visível aos predadores. Inserindo árvores e formando pequenos ecossistemas, pode-se ajudar a fauna em seu deslocamento”.

O MIP ainda gera serviços ecossistêmicos (SEs), fundamentais para a existência humana. “SEs são todos os serviços e bens oferecidos pela natureza para a satisfação e o bem-estar humano”, explica ela, utilizando as frutas como exemplo. Para além disso, essa definição também engloba características culturais e até visuais. “Para algumas pessoas, só o fato de estar em contato com a natureza já melhora o humor. Assim como admirar a beleza de uma cachoeira pode trazer bem-estar.” Tudo isso, de acordo com a pesquisadora, contempla esse conceito.

A qualidade do pasto melhora muito com o MIP. À esquerda pasto onde o MIP foi aplicado; à direita pasto tradicional. Créditos: Andréa Castelo Branco

Perspectivas futuras

Como possíveis caminhos para a melhora do sistema, Andréa aponta a necessidade de maior força política e organização para conscientizar os produtores rurais da importância da agroecologia e ajudá-los em sua implementação. “É necessário um processo participativo, convidando produtores rurais a participar de políticas públicas municipais. Ao receber palestras e workshops, eles começam a entender como é fundamental utilizar essas atividades. Às vezes até já têm essa percepção, mas possuem medo de que isso prejudique o lucro”.

O modelo também pode ser utilizado para outros tipos de pecuária, como galinhas, búfalos e ovelhas. A doutora afirma que desconhece os resultados em outros animais, mas acredita que ainda assim devem ser positivos. “Melhorando a qualidade do teu pasto, é quase impossível que não seja melhor que o tradicional”.

A tese completa Agroecologia: uma proposta para provisão da subsistência de pequenos produtores de leite, serviços ecossistêmicos e conservação da biodiversidade em Santa Catarina está disponível na Biblioteca de Teses e Dissertações da USP.

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