Professora da USP lidera participação brasileira na construção de observatório de raios gama

Primeiro telescópio do CTA, nas Ilhas Canárias. Créditos: Daniel López/IAC

Todos aqueles minimamente familiarizados com o Universo Marvel têm uma imagem na cabeça quando se fala em radiação gama: o Hulk. Nos quadrinhos de Stan Lee e Jack Kirby, o cientista Bruce Banner se transforma em um gigante verde após ser atingido pelos raios. Na vida real, isso não acontece, mas, mesmo sem a capacidade de dar super força aos humanos, essa frequência de onda desperta o interesse de astrônomos do mundo todo.

Os raios gama são ondas de comprimento muito pequeno e estão fora do espectro visível, isto é, aquele que pode ser captado pelo olhar humano. Esses raios são menores que os núcleos das nossas células, então, quando passam por nós, nem chegam a interagir com nossas moléculas, como fazem os raios X, por exemplo.

 

Esquema didático do espectro eletromagnético. Créditos: Júlia Mayumi

 

Durante séculos, toda a observação espacial foi feita utilizando telescópios óticos, que captavam somente a frequência da luz visível, que é uma faixa muito pequena. Os comprimentos de onda muito pequenos precisam de outras tecnologias para serem registrados. Utiliza-se, então, a Radiação Cherenkov.

Antes de entendermos o que é essa tecnologia, é necessário voltar um pouco na física e explicar a emissão de energias. Os átomos são formados por elétrons, partículas com carga negativa, distribuídos em camadas. A liberação de energia acontece quando esses elétrons migram de uma camada para outra.

Quando os raios gama vêm do espaço em direção à Terra, eles interagem com a nossa atmosfera, emitindo a radiação Cherenkov ao decair em elétrons e pósitrons. Isso acontece porque a velocidade dessas partículas é maior que a velocidade da luz nesse meio. A radiação liberada por cada raio pode atingir uma área de 100 mil metros quadrados, sendo necessário mais de um telescópio para capturar tudo.

A captura é feita por espelhos, que enviam os sinais para um detector que os amplificará. As informações dos telescópios são cruzadas a partir de uma técnica chamada estereoscopia, que reconstrói a direção do raio gama e seu fluxo, obtendo uma imagem. Para aumentar a sensibilidade e o campo de visão, é preciso ter vários telescópios de diâmetros diferentes.

O grupo de pesquisa da professora Elisabete Dal Pino estuda astrofísica de plasmas e altas energias, produzindo modelos teórico-numéricos. “A maior parte da matéria visível no Universo é formada de gás de partículas carregadas permeadas por campos magnéticos. Isso é o plasma”, explica ela. Os modelos são feitos com descrições matemáticas, pois são complexos demais para serem apenas analíticos.

Elisabete coordena o envolvimento do grupo na construção do Cherenkov Teleschope Array (CTA), Arranjo de Telescópios Cherenkov (tradução livre), um consórcio internacional que será dividido em dois observatórios, um no Chile e outro nas Ilhas Canárias. “O norte aponta mais para fora da galáxia e o do sul dá pra ver o centro da Via Láctea”. Dessa forma, o arranjo como um todo fará a cobertura completa do espaço.

Já existem observatórios de raios gama, como o Telescópio Espacial Fermi, que, como o próprio nome diz, fica fora da Terra. A vantagem dessa localização é que não há interferência de gases da nossa atmosfera, mas por ter somente um detector, sua eficiência é limitada. Além disso, ele só é sensível a uma pequena faixa da banda energética em raios gama. Dentro do nosso planeta existem observatórios Cherenkov que não utilizam a mesma tecnologia do Fermi. O maior deles possui apenas cinco telescópios. O CTA terá mais de uma centena.

O grupo do Instituto de Astronomia e Geofísica da USP (IAG), com o apoio da Fapesp, tem um projeto temático para desenvolvimento de teoria de modelagem e instrumentação para o CTA. O Brasil já enviou engenheiros para a Itália para contribuir na construção de protótipos. “O nosso grupo está diretamente envolvido no mini array, um conjunto de nove telescópios que vão ser os primeiros a serem construídos e instalados no sul do Chile”. A previsão é que as instalações comecem ano que vem, para que, em 2022, seja possível fazer ciência com as observações.

A sensibilidade do CTA permitirá registrar fontes de energia que jamais foram observadas e até mesmo encontrar novos fenômenos. A radiação gama em geral vem de explosões de supernova e de buracos negros, que são muito energéticos. Captar a radiação possibilitará não apenas descobrir de onde os raios gama vêm, mas também o que acontece no entorno dessas fontes.

Além da tecnologia que está sendo desenvolvida e que poderá ser aplicada em outras áreas, Elisabete pontua a importância do estudo: “O sistema solar é uma parte pequena da Via Láctea, que é uma entre centenas de bilhões de galáxias que povoam esse Universo que somos capazes de observar. É fundamental aprendermos sobre o Universo do qual fazemos parte”.

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