Astrônoma da USP confirma existência de buraco negro ativo em galáxia-gêmea da Via Láctea

Galáxia NGC 6744. Foto: NASA/Daniel Verschatse

Há muito tempo, em uma galáxia muito muito distante, uma luz foi emitida e chegou até os astrônomos da Terra. Infelizmente ela não vinha de um sabre vermelho ou azul, manipulado por um mestre jedi como nos filmes da franquia Star Wars. Mas a  2,5×10^20 km de distância da Via Láctea — mais de um trilhão de vezes a distância da Terra ao Sol —, algo chamou a atenção dos cientistas terrestres. A luz vinda da galáxia NGC 6744 é o tema do artigo publicado pela pesquisadora Patrícia da Silva, do Instituto de Astronomia e Geofísica da USP (IAG-USP), e faz parte de um conjunto de dez galáxias que estão sendo estudadas por ela. Neste trabalho, Patrícia confirmou a existência de um LINER (Low Ionization Nuclear Emission-Line Region) e de estelas com idades intermediárias no núcleo de NGC 6744.

Antes de mais nada, é importante entender o que é uma galáxia. “É uma concentração   de estrelas, gás e planetas em um lugar do Universo”, explica Patrícia da Silva. Existem inúmeras galáxias conhecidas, e a nossa é a Via Láctea, assim nomeada pelos gregos, que viam um fio de leite escorrendo pelo céu durante a noite.

Segundo Patricia, a principal crença dos cientistas é que as galáxias surgem a partir de gases, que, graças à atração gravitacional, se aglomeram e formam as estrelas. Dessas, as de maior massa morrem, formando buracos negros. Nessas regiões, a força da gravidade é tão alta que nem a luz consegue escapar.

O movimento das estrelas nas galáxias cria as suas formas e pode ser usado para categorizá-las. A nossa, a Via Láctea, é espiral, porque essa é a imagem que a movimentação das estrelas cria. Além disso, a nossa galáxia  tem uma barra no centro, uma região rica em gás e estrelas. Essa barra, pela atração gravitacional dela, puxa o gás das regiões periféricas da galáxia para a região nuclear, e também propicia a formação de novas estrelas.

A pesquisa de Patrícia é na região nuclear das galáxias espirais como a Via Láctea.,. Como foi dito anteriormente, essas regiões podem abrigar buracos negros supermassivos. Quando ativos, ou seja, quando estão se alimentando do que está ao redor, possuem um disco de acreção, que é um disco de gás em altíssimas temperaturas espiralando em torno dos buracos negros. Esse disco é tão quente que pode emitir mais luz  do que a galáxia inteira. A assinatura dessa emissão é específica e aponta para a existência de um buraco negro supermassivo ativo (que é chamado de AGN – Active Galactic Nucleus).

Existem diferente tipos de AGNs, que são classificados de acordo com a luminosidade dos seus discos de acreção, pois quanto mais luminoso maior é a atividade de acreção. Quando não há acreção ou quando é muito baixa, o núcleo da galáxia é classificado como não-ativo, como no caso da Via Láctea.

A galáxia estudada por Patrícia, NGC 6744, tem núcleo ativo. Esses núcleos se subdividem em dois tipos: os muito brilhantes, Seyferts , e os mais fracos, LINERs . Esses últimos podem ser confundidos com aglomerados de estrelas, já que seu brilho pode ser razoavelmente baixo e comparável ao de tais aglomerados. “Eu encontrei um LINER  e precisava saber se havia populações jovens, porque elas podem simular a luminosidade de discos de acreção com baixa luminosidade”.

Para fazer o trabalho, Patrícia utilizou o Telescópio Gemini Sul, localizado no Chile. Com o uso desse telescópio, está sendo feito o mapeamento de 170 galáxias vistas a partir do hemisfério sul, um survey chamado DIVING 3D, cujo coordenador é o orientador da astrônoma Patrícia: professor João E. Steiner. O objeto de estudo, NGC 6744, está entre elas. A partir da emissão observada com o telescópio é possível decompor a luz em espectros de emissão de linhas, a partir de espectrógrafos embutidos no telescópio. O espectro de emissão de linhas mostra a composição do gás e das estrelas que emitem a luz ou a absorvem de uma fonte próxima e também pode indicar a idade das estrelas. A astrônoma comparou os dados espectrais que possuía da região nuclear de NGC 6744 com uma base de espectros estelares (onde são conhecidas composições e idades de cada estrela). Com isso, ela constatou que quase 70% possuem idades da ordem de 10 bilhões de anos (estrelas que se formaram juntamente com a galáxia) e o restante possuíam idades da ordem de 1 bilhão de anos. Mas a concentração desta última se dá mais nas regiões circumnucleares (ao redor do AGN), saltando de 25% para quase 45%.  

Desses resultados são tiradas duas conclusões interessantes: a primeira é que, pela ausência de estrelas jovens (que seriam estrelas com milhões ou centenas de milhões de anos), com certeza a luz da região central vem da emissão LINER  do núcleo ativo da galáxia, ou seja essa galáxia possui um buraco negro supermassivo com baixa atividade. A segunda é que há mais estrelas com 1 bilhão de anos nas regiões circumnucleares, então além das estrelas formadas com a galáxia, houve um evento específico relevante na região circumnuclear que gerou essas estrelas.

Sabe-se que interações de galáxias são  eventos comuns e relativamente “rápidos”. Essas interações podem gerar muitas estrelas e também podem esgotar o gás das galáxias envolvidas, impedindo a formação de estrelas após o evento. Quando há interações entre duas galáxias grandes, geralmente ocorre uma mudança da forma da galáxia, que deixa de ser espiral. No caso de NGC 6744, não há qualquer alteração no formato da galáxia, então, se um evento dessa natureza ocorreu, somente pode ter sido entre essa galáxia e uma menor (galáxia satélite, uma galáxia de menor escala que orbita a galáxia maior, neste caso NGC 6744), que gerou as populações de 1 bilhão de anos e “removeu” o gás da região central para que não houvesse novas formações estelares.  

NGC 6744 parece muito com a Via Láctea. Trata-se de uma galáxia barrada e espiral. Mas quando olhamos de perto vemos que há muitas diferenças, como a ausência de populações jovens e a presença de um núcleo ativo. A Via Láctea, por sua vez possui um buraco negro supermassivo não-ativo e várias populações jovens no seu centro. Ou seja, esse estudo mostra que galáxias com mesmas características morfológicas podem possuir núcleos e histórias completamente diferentes.

Para maiores informações ver da Silva, Patrícia, et al. 2018, Apj, 861, 83.

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