Público paulistano se distancia do teatro de grupo

Novos formatos de captação de recursos têm influência na plateia das produções teatrais

Foto: Banco de Imagens da USP (www.imagens.usp.br)

Por que o paulistano não vai ao teatro? Essa foi a pergunta que norteou Vitor Freire, ator, produtor, diretor e professor de teatro, em sua dissertação de mestrado em Estudos Culturais na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. Além da falta de interesse do público, fatores que partem da própria comunidade artística influenciam nessa distância entre teatro e plateia.

Após se graduar em artes cênicas, Vitor começou sua trajetória no mundo profissional e passou a refletir mais sobre a esfera do teatro. Ao se inserir no meio artístico, primeiro existiu uma preocupação técnica e, depois, a de conseguir se sustentar no ramo. “Eu fui conseguindo encontrar os meus caminhos pra trabalhar de fato e ser remunerado. Com isso, surge uma questão, já que estamos falando de arte: para quem nós estamos fazendo isso?”, conta o pesquisador.

A partir dessa reflexão, o ator começou sua pesquisa sobre a relação entre o teatro de grupo paulistano e o público não especializado. Esses dois termos são logo explicados na dissertação: o teatro de grupo é aquele feito por um coletivo de pessoas que tem uma pesquisa conjunta, além de trabalharem de forma contínua e em todas as áreas do teatro; já o público não especializado é aquele que não possui um vínculo direto com o ambiente teatral, não é um artista, técnico profissional de teatro e nem estudante da área.

Para entender essa questão, Vitor fez uma análise crítica tanto dos hábitos culturais dos cidadãos paulistanos quanto das formas de produção desenvolvidas por este segmento do teatro. Dessa forma, procurou equilibrar os dois lados e tentar entender a distância que existe entre eles, muito pelos desdobramentos percebidos: “Existe um impacto artístico e político, porque o teatro é um tipo de arte que você não guarda na gaveta e nem grava. Ou ele acontece no momento presente, ao vivo, agora, ou não acontece. Esse diálogo com o público, pra ele, é fundamental”, explica.

Culpa do público X Culpa do artista

A área de seu mestrado, Estudos Culturais, foi essencial para a compreensão do ator sobre o assunto. Por se tratar de um campo pós-disciplinar, muitos aspectos – como economia, marketing e filosofia – são levados em conta para entender a atividade artística em contato com a sociedade.

Um dos pontos da pesquisa, então, foi o de procurar entender esse afastamento do público pr’além da questão socioeconômica. Isso porque Vitor acredita que esse não é o fator determinante da distância entre os dois lados, ao contrário do que a maioria das pessoas do ramo costuma assumir. Apesar de enxergar que, de fato, o Brasil enfrenta problemas sociais e déficits educacionais, o pesquisador afirma que a falta de interesse do público, somada a atitudes da própria comunidade artística, são os fatores que mais afastam o público paulistano do teatro de grupo.

Para abordar esses dois assuntos, o pesquisador pontuou, na dissertação, “a culpa do público” e “a culpa do artista”. Na primeira questão, ele comentou que existe a obsessão do público pelo hiperespetáculo e, uma vez que o teatro de grupo não tem a proposta dessa grandiosidade, o interesse não existe. Além disso, o teatro é uma arte experimental e o público é, na maioria das vezes, muito apegado a repetições e a referências já conhecidas. “A ideia é ter inovação e mudança de linguagem, e não lidar com fórmulas fechadinhas. O público é pouco disposto a arriscar”, explica o produtor.

Já no segundo ponto, que é a parte mais extensa da dissertação, Vitor pretende falar sob a perspectiva dele como parte da comunidade artística: “É muito comum que o lado do artista culpe o lado de lá se algo não funcionar. O que eu tento provocar é se não tem uma parcela de culpa nossa aí.”

Uma questão analisada sobre esse lado da comunidade artística é o do financiamento à cultura. Hoje em dia, uma produção só existe se houver um financiamento por editais, patrocínios ou até pela venda da obra a instituições. A ideia de que uma peça se sustenta por sua bilheteria não existe mais e, dessa forma, o público nunca é determinante para a produção acontecer. Segundo o ator, “isso faz com que os artistas se preocupem cada vez mais em agradar o cara da banca do edital, do departamento de marketing, o programador cultural… E o público acaba vindo em segundo, terceiro, quarto, quinto lugar, porque não dá tempo de pensar nele”.

Com base nessa observação, o pesquisador fez uma crítica ao setor – e a si mesmo, por estar inserido no meio –, que acaba se contentando em agradar e pensar apenas na comunidade artística. Além da crítica, Vitor constatou com a dissertação que ainda há muito a se discutir. “Fazer esse tipo de pesquisa não é só encontrar coisas positivas e soluções, mas também encontrar problemas. Nós teremos dificuldades em configurar alguma relação com quem deseja ficar no seguro.”

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