Pesquisa evidencia realidade do combate à dependência química no CAPS AD

Opiniões e posições de profissionais que trabalham no local, familiares e usuários avaliam serviço

Entrevistas mostram posições de pessoas em contato com o CAPS AD (Imagem: Pixabay)

“Todos nós utilizamos drogas. A realidade destas pessoas é mais próxima a nossa do que imaginamos”, afirma Ricardo Henrique Soares, responsável pela pesquisa realizada na Escola de Enfermagem da USP.

Ambientado no CAPS AD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas) mais mal classificado por outra pesquisa do grupo, o estudo avalia a satisfação de profissionais, usuários e familiares quanto ao trabalho e serviço promovido pela instituição. Esta é responsável pelo acolhimento e tratamento de pacientes dependentes de álcool e drogas, com atendimentos individuais e em grupo destinados ao usuário e familiares. A identidade desse CAPS AD foi mantida em sigilo para que a pesquisa não gerasse estigmatização e rivalidade entre as instituições.

O conceito de satisfação utilizado é baseado no do método Paidéia, ou seja, “ela é multifacetada. A satisfação no trabalho se dá quando há integração entre as atividades desempenhadas pelos trabalhadores e seus desejos e interesses”, explica Soares. A pesquisa feita foi de natureza qualitativa, com enfoque responsivo e metodologia construtivista, em que os participantes constroem suas próprias reivindicações, preocupações e questões a partir de entrevistas individuais e coletivas com o emprego da negociação. “Os fatos não são dados, a realidade não fala por si, são as pessoas que constroem a significação da realidade”.

Há elementos satisfatórios e insatisfatórios entre os grupos analisados. Para os profissionais, conseguir realizar uma função capaz de ajudar os pacientes, trabalhar com uma equipe multiprofissional, que promove trocas de informação e conhecimento, e se envolver em uma clínica ainda em construção e aberta para novas descobertas são pontos satisfatórios de se trabalhar no CAPS AD. Por outro lado, consideraram que o tempo prolongado de atuação direta com os pacientes não favorece a satisfação dos trabalhadores, gerando esgotamento por conferir uma atividade densa.

Por isso, a personalização do atendimento como os profissionais nomearam a concentração do atendimento de pacientes na pessoa de um único funcionário deve ser evitada, pois pode gerar sobrecarga e adoecimento pela intensidade do trabalho. O ideal é construir o vínculo do usuário com a instituição, e não apenas com um profissional, até porque isso pode causar rivalidade e cisão na equipe.

Além da questão do cotidiano de trabalho e contato com os pacientes, o estudo de Ricardo Henrique Soares abordou entre os profissionais os âmbitos de gestão e ensino. A parte administrativa do CAPS AD foi ponto de crítica, já que não inclui os funcionários no estabelecimento de plano de metas construídas pela Administração Pública Municipal e a respectiva Organização Social de Saúde que administra o equipamento de saúde e ainda os pressiona para que sejam cumpridas, além de burocratizar o serviço e prejudicar a assistência que deve ser oferecida aos usuários e familiares.

Os profissionais também não recebem investimento em educação permanente, como cursos, palestras ou congressos, consequentemente é necessário que os próprios busquem e custeiem esse conhecimento. A falta de supervisão institucional também é insatisfatória, principalmente por trabalharem na área de saúde mental e não receberem apoio, respostas aos questionamentos e feedback pedagógico.

Já entre os usuários, foi consenso de que o atendimento e acolhimento recebido pelo CAPS AD foram satisfatórios. “Um dos participantes sempre falava na entrevista que quando ele usava drogas estava nas trevas, como se o tempo parasse. O cuidado e amparo que recebem no CAPS AD é algo muito importante para eles. Alguns se surpreendem quando, mesmo após recaídas, recebem amparo do serviço”, comenta o pesquisador.

Porém, entre os familiares, não houve consenso. Para uma das seis participantes, o CAPS AD foi incapaz de realizar mudanças na vida do seu filho. “Os familiares sofrem demais, acho que são os que mais sofrem, mas eles nunca perdem a esperança, nunca largam, nunca deixam de lutar pelos filhos. É a perseverança no cuidado versus a compulsão dos pacientes”, diz.

Apesar de a maioria concordar que as orientações da instituição ensinaram a lidar com o usuário e possuir um olhar mais apurado quanto sua condição, a pesquisa precisa levar em consideração a posição de todos. Por isso, há o momento da negociação entre os membros dos grupos feita em entrevistas coletivas, em que cada grupo se reúne e tem consciência das reflexões geradas com ampliação de informações, em que o pesquisador pode trazer elementos de fora, da literatura e observação. “É um momento muito especial porque você observa como os participantes se assenhorearam dessas questões, já que elas foram colocadas por eles mesmos. É super reflexivo”, comenta.

Para desenvolver a pesquisa, foi utilizado o modelo da Avaliação de Quarta Geração adaptado por Christine Wetzel da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP. Os referenciais metodológicos da Avaliação de Quarta Geração (AQG), proposta por Guba e Lincoln, que junta aos métodos tradicionais de avaliação a negociação, capaz de gerar questionamentos entre os participantes, foi atrelado ao método da Roda ou Paidéia, concebido por Campos, que promove a reflexão crítica através da subjetividade e individualidade dos profissionais, usuários e familiares.

Ricardo Henrique Soares realizou a coleta de depoimentos, sozinho, por 25 dias. Chegava por volta das 7h no CAPS AD e permanecia até o horário de almoço, além de também estar presente à tarde na maioria dos dias. O pesquisador ficava nas salas de atendimento, corredores e copa, além de participar de diversos grupos de atendimento, principalmente os psicoterápicos de usuários e os grupos de familiares, que curiosamente era frequentado apenas por mulheres.

O pesquisador queria compreender os resultados obtidos por outras pesquisas do grupo da Escola de Enfermagem e esclarece: “Foi um desafio fazer essa pesquisa qualitativa. O grupo já tinha feito a parte quantitativa, mas ninguém tinha abordado esse outro lado. Eu queria entender a satisfação e a insatisfação desses grupos, entender os números”.

Como próximos passos, Ricardo Henrique Soares deseja continuar no grupo de pesquisa. O foco agora é dissecar os resultados do estudo de acordo com cada grupo e produzir artigos científicos sobre os profissionais, usuários e familiares.

“A humildade é o que você pode retirar de resultado pessoal, sair menos prepotente e arrogante, porque todos nós utilizamos drogas e as histórias de vida daquelas pessoas são muito parecidas com a minha e de pessoas que conheço. Você vai se enxergando”, afirma.

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