Vilas operárias eram meios de controle social

Imagem criada foi bem diferente da realidade, diz estudo

Vila Maria Zélia em sua inauguração, em 1917. Crédito: Monte Domecq & Companhia / Divulgação

Bruno Fiaschetti, estudante do terceiro ano da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, dedica sua iniciação científica a estudar a Vila Maria Zélia — que se apresenta, segundo o pesquisador como “exemplar máximo” das vilas operárias paulistanas. Orientada pelo professor Luís Fernando Massonetto, da Faculdade de Direito, e auxiliada pela professora Luciana Royer, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, a pesquisa de Fiaschetti tem como um dos objetivos a análise do que elas foram de fato, a despeito da imagem que imprensa, Estado e empresas buscaram criar.

O pesquisador afirma que as vilas eram meios de controle social. No início do século XX, em São Paulo, era muito disseminada a ideia de “higienização” do ambiente urbano através da eliminação de cortiços. Uma alternativa encontrada foi a construção de vilas operárias. Seu advento proveio de uma série de fatores sociais e econômicos interligados entre si. “As pessoas menos favorecidas queriam morar no centro de São Paulo”, diz Fiaschetti, “mas não tinham casa, por uma questão de salário”.

Empresas paulistanas viram aí uma oportunidade: com o grande “boom” econômico causado pela indústria cafeeira, a busca por destaque no mercado mundial crescia exponencialmente. Para tal, precisavam de lucros maiores, o que por sua vez demandava mão de obra barata. O pesquisador comenta que “A construção de uma vila operária vem justamente nesse sentido. Quando você provém habitação para um operário seu, automaticamente você deduz do salário dele esse custo. É um grande movimento de amortização.”

Ao mesmo tempo em que empresas paulistanas perseguiam mais lucro, São Paulo passava por uma série de reformas urbanas e recebia cada vez mais imigrantes. Trazidos em navios transatlânticos, vinham de países como Portugal, Espanha, Alemanha e Itália, fugindo principalmente da Primeira Guerra Mundial. Segundo dados do IBGE, 503.981 imigrantes desembarcaram no Brasil nesse período.

Nesse cenário, uma categoria denominada “higienista” ganhou força. “Inspirados pelas promulgações de leis sanitárias nos países centrais”, diz Fiaschetti em relatório da iniciação científica, “essa categoria – que abrangia além de médicos, engenheiros e magistrados, sob a égide da administração pública, passou a influenciar a criação de legislações e equipamentos estatais que objetivam a resolução da questão do déficit e precariedade das habitações.” O pesquisador comenta que havia de fato uma necessidade de intervenção estatal quanto às condições sanitárias — no entanto, os meios empregados mostraram-se desproporcionais às demandas da cidade. Estado e a categoria dos higienistas, então, amparados no sensacionalismo da imprensa que ampliava o medo das epidemias trazidas através dos navios e posteriormente propagadas em habitações coletivas, incorporaram a agenda sanitária como máxima prioridade.

“A grande intenção da prefeitura era passar a imagem de prevenção de doenças, mas o que era considerado pernicioso na verdade era a coletividade. O Estado não tinha controle sobre aquelas pessoas”, diz Fiaschetti. O Poder Público, então, delegou a construção desse tipo de moradia aos particulares interessados, através da concessão de inúmeros benefícios.

Prédio que abrigava armazém e farmácia da Vila Maria Zélia. Foto: Bruno Fiaschetti.

Em 1917, na Zona Leste da cidade de São Paulo, a Vila Maria Zélia foi inaugurada. Sua função seria abrigar os funcionários da Companhia Nacional de Tecidos de Juta (CNTJ), então pertencente ao industrial Jorge Street. Uma das entradas da vila contava com uma igreja, um armazém — controlado por Jorge Street. A outra entrada dava direto para a fábrica da CNTJ.

Além do controle da estrutura da vila, Jorge Street também possuía grande influência na rotina dos moradores. “O morar nesse espaço predicava de controle. O sinal da fábrica tocava e todos ouviam, sinalizando a hora de ir trabalhar. A vida do trabalhador além do trabalho incluía o uso de equipamentos e espaços controlados da vila. Na missa, o padre tem relações com o dono da fábrica. Até as escolas nas quais as filhas e filhos dos operários eram educados ficavam lá dentro”, diz Fiaschetti.

Os moradores, no entanto, não pareciam ter noção do controle sob o qual estavam sujeitos. “Como você tinha um controle prévio de admissão da vila”, Fiaschetti comenta, “as pessoas tinham uma simpatia por esse modelo. Enalteciam o Jorge Street como uma pessoa caridosa, que se preocupava com os operários. A minha hipótese inicial é que as pessoas sofreram um processo de acepção das ideias.”

Nos anos 1930, a fábrica faliu e foi comprada por outro grupo de investidores. Os moradores passaram, pouco a pouco, a ter menos relação com a fábrica. “Os equipamentos ainda existem”, diz Bruno Fiaschetti. “Mas perderam sua função de controle. Hoje os moradores convivem com questões de tombamento, mas pouco a pouco, a vila foi perdendo seu caráter de microcosmo e se encontra agora ‘acoplada’ ao espaço ocupado pela cidade”.

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