Diagnósticos e intervenções auxiliam enfermagem no combate da violência contra a criança

Pesquisa pretende normalizar terminologia para enfrentamento da agressão doméstica contra crianças sem restringir atuação de enfermeiro

Tema possui grande magnitude no Brasil e internacionalmente. (Imagem: Pixabay)

Um subconjunto terminológico foi construído para o enfrentamento da violência doméstica contra a criança, além de buscar na literatura científica como as enfermeiras têm atuado nesses casos tanto no contexto nacional quanto internacional.  A pesquisa foi feita por Karen Sakata, da Escola de Enfermagem da USP e orientada pela Profa. Dra. Emiko Yoshikawa Egry.

Um subconjunto terminológico é um agrupamento de afirmativas de diagnósticos, resultados e intervenções de enfermagem referentes a um determinado problema/fenômeno que é foco do trabalho do profissional. Além de ajudar na padronização da nomenclatura dos fenômenos sobre os quais as enfermeiras atuam, permite também dar destaque às suas práticas e ações.

O estudo utilizou como base o subconjunto feito em 2014 por Lêda Maria Albuquerque, também da EEUSP. O material foi atualizado com a versão 2015 da CIPE (Classificação Internacional para a Prática da Enfermagem) e novos diagnósticos, intervenções e resultados de enfermagem foram criados para o enfrentamento da violência doméstica contra a criança . A pesquisa avaliou o subconjunto já criado por Albuquerque e construiu um novo material, além de validá-lo com enfermeiras que atuam na área.

No início, constavam 196 diagnósticos e 275 intervenções, porém o número foi reduzido após avaliação das enfermeiras que possuem experiência no tema da violência e classificações de enfermagem na assistência, na pesquisa, no ensino ou na gestão, o que confere ao subconjunto caráter específico e realista quanto a atividade dos profissionais. Por fim, sobraram 60 diagnósticos e 100 intervenções.

“Uma novidade em relação a outros subconjuntos já construídos é que este não teve como foco um agravo ou doença e, sim, as ações de prevenção e enfrentamento”, comenta a pesquisadora.

O grupo de pesquisa Bases Conceituais e Metodológicas da Enfermagem em Saúde Coletiva, em que Karen Sakata participa, se propôs a estudar o fenômeno da violência doméstica contra a criança com enfoque no enfrentamento. Ainda, a pesquisadora explica que o tema possui grande magnitude tanto no Brasil quanto internacionalmente, acometendo a vida de milhares de crianças e famílias no mundo inteiro

As estatísticas mostram números altos, com um grande índice de violência dentro do próprio domicílio. Por isso foi feito esse recorte, a fim de elaborar algo que fosse capaz de auxiliar os enfermeiros em contato com os casos”, revela a especialista.

Apesar do subconjunto ter sido criado especificamente para enfermeiros, a pesquisadora acredita que há  potencialidade do subconjunto em conversar com outras áreas que também atuam no enfrentamento da violência, como a jurídica,  a psicologia e a assistência social. Isso possui extrema importância, pois para que o enfrentamento da violência doméstica contra a criança seja bem sucedido, a área da saúde precisa atuar em conjunto com outras especialidades. O trabalho deve ser feito em rede e continuamente.

Outros pontos que precisam ser levados em consideração são a preparação profissional do enfermeiro e as condições de trabalho a que são submetidos. A realidade brasileira mostra que os profissionais não sentem que possuem formação voltada para esse fenômeno, além de atuarem em ambientes com poucos trabalhadores, sobrecarga de trabalho e falta de apoio institucional.

“As enfermeiras  precisam de condições de trabalho adequadas para que consigam desempenhar suas atividades corretamente. Precisam ter conhecimento do seu próprio papel nesse enfrentamento, uma formação adequada capaz de as capacitar quanto ao tratamento e prevenção do fenômeno da violência e uma rede de apoio bem estruturada”, argumenta Karen Sakata.

O subconjunto terminológico será enviado ao Conselho Internacional de Enfermeiros, para que este tenha conhecimento do produto final. Ainda, o material foi apresentado por meio de um pôster no Simpósio Nacional de Diagnóstico de Enfermagem em Florianópolis, em junho, e será levado para o Simpósio Internacional de Violência contra a Criança, na República Checa ainda em setembro.

O material está anexo a tese em forma de livreto para que fosse mais prático do enfermeiro utilizar. Foram impressas poucas cópias, por isso, o próximo passo é conseguir um financiamento para que o subconjunto seja impresso em grande quantidade e divulgado, principalmente, entre as enfermeiras que  atuam diretamente com a violência contra a criança. Outra continuidade pensada para o trabalho é a criação de um aplicativo para dispositivos móveis, o que já começou a ser desenvolvido com uma pesquisa de iniciação científica a qual Sakata é co-orientadora.

Com a padronização da nomenclatura a partir do subconjunto, a pesquisadora explica que será possível saber como as enfermeiras têm denominado esses fenômenos para que eles possam ser quantificados, e principalmente,  qualificar o trabalho que tem sido feito.

Karen Sakata ainda pretende aprofundar a ideia do subconjunto ser uma ferramenta no processo de trabalho de enfermagem e fazer revisões posteriores, pois com a utilização na prática pode exigir modificações. “A ideia é acompanhar a utilização do subconjunto para realizar as alterações necessárias e fazer a divulgação, principalmente em âmbito nacional”.

Expansão do enfrentamento e ideais

O trabalho da pesquisadora Karen Sakata permite que os enfermeiros possuam uma ferramenta de auxílio no enfrentamento da violência doméstica contra a criança, mas sem que enrijeça sua atuação dentro do campo. Apesar do subconjunto proporcionar importantes mudanças, Sakata se atenta para a dimensão e raiz do problema.

O subconjunto foi construído a partir Teoria da Intervenção Práxica da Enfermagem em Saúde Coletiva que tem como  referencial teórico o materialismo histórico dialético, e  divide os fenômenos sociais em três grandes dimensões: singular, particular e estrutural. No fenômeno da violência, a criança está localizada no âmbito singular, os grupos sociais no particular e a família é a interface entre as duas dimensões. Essa interface é também foco de continuidade do estudo, que buscará compreender a família na concepção da Saúde Coletiva.

“Por exemplo, foi observado que tanto no Brasil como internacionalmente, a prática das visitas domiciliares pelas enfermeiras, agindo no território e com a família, tem potencial para o enfrentamento, pois promove a criação de  vínculo”, explica.

Portanto, a pesquisadora conclui que focar o atendimento apenas na criança, parte em que o subconjunto atua, e no trabalho com a família, ainda deixa o enfrentamento desse fenômeno incompleto. Por isso, as ações também devem acontecer no âmbito estrutural, onde está a raiz do problema: o modo de produção da sociedade, nesse caso, o capitalismo e seus produtos sociais.

“As ações políticas e os movimentos sociais organizados, por exemplo, são ferramentas de atuação na dimensão estrutural. Para que seja potencializado o trabalho das enfermeiras é necessário se voltar também para as condições de trabalho, sobrecarga e número de trabalhadores atuando nos serviços de saúde. Em tempos de grandes perdas dos direitos sociais, como aconteceu para os trabalhadores com a reforma trabalhista, a dimensão estrutural dos fenômenos deve ser pensada para que intervenções sejam propostas”.

 

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