Vínculo amoroso fortalece relações homoafetivas longevas

Foto: Agência CNJ

A regulamentação do casamento homoafetivo no Brasil completou cinco anos. O marco simboliza um importante avanço do Estado no reconhecimento de direitos fundamentais para aqueles que desejam estabelecer matrimônio, mas viam como impeditivo leis beneficiando somente a união civil heterossexual. Apesar de representar uma enorme conquista, a situação está longe da ideal. Entretanto, o debate trouxe à tona vivências de casais considerados fora padrão, e reacendeu nos meios acadêmicos, inúmeras questões de cunho psicossociais: atualmente há relacionamentos homoconjugais longevos, oriundos de épocas que a homossexualidade era mais reprimida? Como eles sobreviveram ao comportamento heteronormativo e estabeleceram laços conjugais?

A pesquisadora Déa Berttran, em sua tese de doutorado A constituição do vínculo e o legado familiar heteronormativo em casais homossexuais longevos, femininos e masculinos — apresentada ao Instituto de Psicologia (IP) da USP em 2017—, respondeu alguns dos dilemas acerca da questão. Os resultados foram angariados através de procedimento clínico qualitativo, baseado na psicologia vincular, vertente contemporânea responsável por atribuir ao vínculo um papel fundamental na construção da subjetividade, e análises psicossociais.

Segundo ela, o interesse pela temática surgiu ao refletir sobre a invisibilidade dessa vertente de amor, junto a necessidade de adquirir conhecimento na esfera científica. “Contribuir com o fazer clínico dos profissionais que porventura desconhecem este tipo de relacionamento, ou não o reconhecessem, e mesmo o hostilizam, delineou-me claramente para o caminho deste estudo”, comentou.

O objetivo principal da pesquisa foi compreender como se estabelece o vínculo amoroso a partir da descrição da trajetória do casal, e os motivos pelos quais permanecem juntos durante mais de vinte anos, visto que suas relações nasceram e se desenvolveram em clima hostil a esta orientação sexual — dentro do legado familiar heteronormativo.

Participaram da tese quatro casais homossexuais, dois femininos e dois masculinos, todos dentro de um relacionamento 25 aos 40 anos de duração. Sendo que, um cônjuge de cada gênero já possuía filhos de união heterossexual anterior. Eles foram submetidos a entrevistas semidirigidas, realizadas  com a intenção de serem respondidas em conjunto pelos pares. As perguntas buscaram destrinchar o vínculo existente da vida em dupla e seus desdobramentos, focadas na percepção de ambos sobre o próprio matrimônio. Além disso, realizou-se o Teste de Apercepção Temática (TAT), considerado uma técnica projetiva baseada na apresentação de várias pranchas ilustradas aos indivíduos em análise, que devem contar uma história sobre cada uma das imagens. “Algumas situações (detectadas) remetem a cenas de aflição e angústia, podendo vir a ser um deflagrador da produção inconsciente do indivíduo”, comenta. Houve também o cuidado de não divulgar nenhuma informação que pudesse identificar os participantes.

Após avaliar os dados coletados, Déa notou diferenças na maneira de estruturação e comportamento com relação a casais homos e héteros e concluiu alguns pontos. “A conjugalidade homossexual pode vir a ser mais democrática, com menos hierarquia, já que os papéis de gênero não são conflitivos, algo comum aos casais heterossexuais.”

Constatou-se a presença de mais diálogo nas conversas e acordos em questões da vida. “O fato de terem que lutar contra tudo e todos também influencia na construção da conjugalidade gay, fazendo-os mais cúmplices, mais próximos, mais unidos”. De acordo com Berttran, os participantes quase não receberam apoio familiar, e tiveram de enfrentar os desafios da vida, até mesmo casos de homofobia, inclusive a internalizada. “Com todos os percalços ao longo do caminho, eles conseguiram construir uma relação duradoura e envolta por alteridade”.

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