Pesquisa da USP desvenda o conceito de amor

Foto: M. Fischetti

Com certeza você já deve ter ouvido os versos: “O amor é fogo que arde sem se ver. É ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer”, de Luís Vaz de Camões, grande poeta lusitano. Agora, em terras tupiniquins, “eu tenho tanto pra lhe falar. Mas com palavras não sei dizer. Como é grande o meu amor por você”, do rei Roberto Carlos. Apesar de estarem separadas por aproximadamente cinco séculos, há algo em comum entre as duas poesias: a tentativa de descrever o sentimento humano mais sublime — o amor. Um conceito extremamente subjetivo, eventualmente tratado dentro da filosofia e por livros de autoajuda.

Ao longo do processo de evolução das sociedades, grandes pensadores das mais diversas áreas possíveis buscaram desvendar essa emoção. Tudo extremamente empírico. Porém, recentemente, tornou-se o objeto de estudo da chamada psicologia positiva. Por muitos anos psicólogos se interessaram somente por fenômenos psicopatológicos, como as neuroses, medos, fobias e outros. Atualmente, essa nova vertente está voltada às questões que buscam promover mais a qualidade de vida e bem-estar das pessoas.

Foi pensando nessa temática que Thiago de Almeida desenvolveu sua tese de doutorado — apresentada ao Instituto de Psicologia (IP) da USP em 2017— O conceito de amor: um estudo exploratório com uma amostra brasileira.  Pioneira no cenário científico nacional e internacional, a pesquisa consiste no maior estudo sobre o assunto com grandes amostras populacionais desde a década de 1980.  

Se o amor é um fenômeno e ele existe, pode sim ser mensurado de alguma forma. Apenas necessita da produção de instrumentos capazes de captá-lo para esquadrinhar a sua essência. De acordo com o pesquisador, o tema é uma das áreas mais importantes na vida das pessoas. “Procuramos e pensamos sobre ele e seus desdobramentos o tempo todo nos relacionamentos em que estamos inseridos”.

Na pesquisa, participaram 600 indivíduos, dos quais 65% eram mulheres (390), e 34,83% homens (209), com média de idade de 23,82 anos. Eles foram distribuídos em dez grupos de acordo com o grau de escolaridade (escolas particulares, públicas, universitários, formados e fora do âmbito acadêmico), e a cidade de origem.

As pessoas foram expostas a um instrumento designado especialmente para essa análise, e, em apenas 90 segundos tinham que atribuir livres associações à palavra AMOR escrita em uma folha de papel. Ao final dessa etapa, constatou-se a coleta de 3.243 respostas. “Cada pessoa deu mais ou menos cinco a seis respostas por apresentação a esse estímulo. Bom, elas foram analisadas e categorizadas. Logo em seguida, repassadas individualmente a outras cinco pessoas, dentre elas, eu e meu orientador”, explicou Thiago. A partir daí, criou-se 14 categorias totalmente distintas umas das outras, sendo a última composta por idiossincrasias.

Confira a seguir a definição de cada uma, e frases ou palavras coletadas que as representam:

1- Amor como relação entre pessoas específicas, não necessariamente romântica, pois, não se verificou a existência de tais indícios. Ex: “Lucas”, “William”, ou algum apelido.

2- Amor como algo essencial ou fundamental ao ser humano. Ex: “Amor é tudo na minha vida” e “Ninguém vive sem amor”.

3- Amor como algo indefinido ou etéreo.  Ex: “O amor não pode se explicar” e “Algo cientificamente inexplicável”

4- Amor relacionado a componentes sexuais. Ex: “transar”, “meter” e “vagina”.

5- Amor como uma relação romântica entre duas pessoas. Ex: “Uma das formas de se chamar a namorada” e “Meu relacionamento amoroso”.

6- Amor voltado a elementos da família. Ex: “primo”, “tio”, “marido” e “neto”.

7- Amor voltado aos amigos. Ex: “Amigos verdadeiros” e “Amor é quando perdemos um dente e seus amigos continuam te amando do jeito que você ficou”

8- Amor voltado a entidades divinas ou sobrenaturais. Ex: “Deus”, “Jesus” e “Nossa Senhora”.

9- Amor voltado a animais irracionais de estimação. Ex: “cachorros” e “papagaio”.

10- Amor voltado a seres inanimados. Nessa categoria vemos pessoas valorizando objetos, como dinheiro, obras de arte ou literária. Ex: “Amo Mario Quintana”,

11- Amor dirigido a si mesmo. Ex: “Eu”, “Ter amor a própria vida” e “Amar é também se amar”.

12- Amor como fonte de emoções, atitudes e comportamentos positivos. Ex: “afinidade’, “empatia”, “paciência” e “compreensão”.

13- Amor enquanto fonte de emoções, atitudes e comportamentos negativos. Ex:. “choro”, “dor”, “ suicidio” e “quero morrer”.

14- Outras respostas que tiveram menos de 5% de representatividade, e não eram contempladas nas anteriores, foram alocadas

nessa categoria. Ex: “sacrifício”, “planejamento”, “sonhos” e “onde está o meu amor”.

Entendimentos sobre o amor

A análise dos dados confirmou pontos já conhecidos. “Os homens são mais propensos a relacionar amor ao sexo. E as mulheres relacionam mais ao romance”, explica Thiago. Mas quando o assunto é família, verificou-se que elas se importam em grau superior com essa referência. O senso comum também foi colocado contra a parede em determinados apontamentos. “São as mulheres que valorizam mais as amizades. A gente sempre pensa que homem acoberta o outro, mas não, as mulheres se preocupam bem mais com a rede de amigos”. Outro ponto bastante interessante levantado é a questão do romantismo. “Minha pesquisa mostrou que a mulher é mais pragmática e o homem mais romântico”.

O professor José Fernando Lomônaco, especialista em conceitos e orientador do estudo, conclui que o amor é um conceito ainda muito geral, e se refere a muitas coisas. “Não é só o amor carnal, ou de um homem para uma mulher. Devemos ter cuidado ao especificar o tipo de amor que estamos nos referindo, já que um dos objetivos foi mostrar a grande variabilidade de aspectos aos quais ele está relacionado”.

A tese foi transformada em livro, cujo título é Conceito de amor: um estudo exploratório com participantes brasileiros, lançado no final de junho de 2018 pela editora Pedro & João Editores.

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