Projeto inovador estuda a diplomacia científica no Brasil

Desenvolvida pelo IRI/USP e pela Fapesp, a pesquisa, que também tem cooperação com a Manchester University, busca analisar em que ponto a diplomacia está no país. Doutoranda que estuda o tema também o explica

A diplomacia de um país e suas relações podem abarcar vários temas — e a ciência é um deles. (Fonte: Pixabay)
A diplomacia de um país e suas relações podem abarcar vários temas — e a ciência é um deles. (Fonte: Pixabay)

A diplomacia científica de um país é muito importante para seu desenvolvimento e sua inovação nas mais diversas áreas de ciência e tecnologia. Estudá-la, bem como o que o Brasil tem feito nesse sentido, é tema de projeto de pesquisa no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI/USP) com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).  “A questão central da pesquisa é ver o que o Brasil tem feito para internacionalizar as políticas de ciência e tecnologia dentro da agenda de política externa”, diz Janina Onuki, diretora do IRI.

Amanda Domingues, estudante de doutorado e pesquisadora do Centro de Estudos das Negociações Internacionais (Caeni-USP), estuda o tema da diplomacia científica e se concentra na análise de dois países: Estados Unidos e Reino Unido.Meu trabalho se concentra nesses dois países, com maior produção e prestígio internacional em ciência e tecnologia”. Explica: “A problemática gira em torno do fato de que eles, bastante desenvolvidos em termos de ciência e tecnologia e com opiniões semelhantes a respeito de questões de política externa, possuem diferentes formas de construir e implementar estratégias de diplomacia científica”.

Ela estuda, também, o envolvimento da comunidade científica no tema. “Minha hipótese é a de que o envolvimento dessa comunidade é uma condição necessária, mas não suficiente para explicar as diferenças entre os processos decisórios da estratégia nacional de diplomacia científica dos EUA e do Reino Unido”. Explica: “A participação da comunidade científica no processo político é necessária para que um país desenhe uma estratégia nacional para diplomacia científica e a implemente de acordo com o que foi decidido”.

O projeto

Em entrevista à AUN, Onuki explica os principais objetivos do projeto com a Fapesp: “Buscamos pensar conceitualmente o que é diplomacia científica, pensar o que o Brasil tem feito, do ponto de vista institucional, isto é, de relações institucionais, de relações com universidades de fora, de termos de iniciativa domésticas, lançamentos de editais voltados para internacionalização da ciência e tecnologia”, diz, mencionando que o projeto também tem a preocupação de olhar para as universidades brasileiras.

Sobre ele, Domingues diz: “É o primeiro passo para uma colaboração mais estreita, com a finalidade de investigar a história da colaboração científica e ações diplomáticas entre América Latina e Europa”. Sobre essa história, ela diz: “Contada de diferentes formas por historiadores, economistas, ela precisa ser compilada e atualizada. Além disso, precisa ser discutida à luz de novas teorias e interpretações de acontecimentos científicos e políticos atuais”, explica.

Onuki avalia: “O que a USP e os ministérios agora também estão preocupados, e que é o interesse do nosso projeto, é tentar entender o impacto disso e daí propor políticas nessa linha da internacionalização da ciência e tecnologia, que chamamos de diplomacia científica, tal como os países desenvolvidos fazem”. Acrescenta: “Partindo do princípio de que essas ações externas podem ter um impacto muito significativo do próprio país e da própria universidade”.  Além disso, menciona que, além do apoio da Fapesp, há um convênio de cooperação com a Manchester University, que sedia uma rede de pesquisadores. “Começamos a buscar parceiros que tivessem a mesma preocupação. No Reino Unido, identificamos a Manchester University”.

O que é diplomacia científica e como está o Brasil

Para entender em que altura o Brasil está no tema, é importante entender seu conceito. Onuki explica: “Quando se fala de diplomacia científica, a questão central é como um país trata nas negociações internacionais do tema da ciência e tecnologia. E como os acordos firmados pelo Brasil em vários desses temas de ciência e tecnologia podem trazer recursos e contribuir para o desenvolvimento do país”, acrescenta sobre o país. Domingues também conceitua: “Pode ser definida como uma estratégia utilizada por atores políticos que estimula interações científicas entre nações como forma de atingir certos objetivos”. Exemplos de objetivos, segundo ela, seriam fortalecer laços de amizade, propor soluções para problemas comuns e construir conhecimento.

A partir daí, Onuki explica o histórico do país em termos de diplomacia científica: as principais mudanças são mais recentes e datam do final do século.  “Para o Brasil, há dois pontos importantes: o começo da democracia e o fim da guerra fria, que mais ou menos coincidem, no final dos anos 90, em que o país se abre e começa a ter relações com vários outros países”, diz.

Ela explica que vários outros temas de ciência e tecnologia passaram a ser tratados nas relações internacionais. “Nos anos 90, com essa abertura, essas mudanças internas e externas, os diplomatas passam a ter que lidar com temas que antes não eram centro das preocupações”, diz. ”Isso fez com que o Ministério das Relações Exteriores começasse a ter uma atuação diferente com outros ministérios e outras agências, para poder definir ações de política externa”. Passa a haver uma interação maior entre o Ministério de Relações Exteriores, que antes concentrava a política externa no tema, e ministérios como o da Ciência e Tecnologia e o da Educação.

Avaliações e exemplos de iniciativas

Domingues faz uma avaliação da situação brasileira no tema: “O Brasil ainda não é um país que investe diretamente em diplomacia da ciência da mesma forma que outros países como Reino Unido e Suíça, por exemplo”. Mas ela cita dois exemplos interessantes: “A atuação internacional da Embrapa é um exemplo interessante do uso da ciência para fins diplomáticos. Além disso, a CAPES (PEC-PG) e o CNPQ (Bolsas e Programas de cooperação) têm programas que financiam estudantes e pesquisadores internacionais a fazerem seus estudos, visitarem o Brasil, uma atividade que contribui para o soft power do país”, diz. Ela também ressalta a importância de uma articulação entre órgãos do governo (em especial, o Ministério das Relações Exteriores).

Domingues explica questões relacionadas ao Reino Unido e aos Estados Unidos: “No caso dos EUA, não há uma instituição líder, responsável pelas decisões de diplomacia científica e sua implementação é, portanto, confusa, enquanto que no Reino Unido há um grupo sólido e estruturado (The Global Science and Innovation Forum, GSIF) que toma decisões e as implementa”, diz. Sobre o que o Brasil poderia aprender com países que apresentam uma diplomacia científica, ela diz: “Sucesso é relativo. Paulo Ribeiro Neto e eu publicamos um artigo resgatando diversas ações de diplomacia científica dos EUA com países cujas relações políticas estão estremecidas: Coreia do Norte e Cuba, por exemplo. Pesquisas bem sucedidas e colaborações resultaram dessas ações, o que poderíamos chamar de sucesso”.

Mas diz, exemplificando: “No entanto, outras ações de diplomacia científica, como a famosa Revolução Verde dos anos 60 e 70 na Ásia, foi usada também como uma ferramenta de controle ideológico e manipulação de recursos e territórios”. Diz, sobre o Brasil: “O país precisa de uma estratégia específica para seu status de líder regional, que esteja em linha com suas aspirações internacionais”.

Onuki menciona uma iniciativa: “A Fapesp tem uma iniciativa que se chama SPRINT, que são projetos de colaboração de instituições políticas que colaborem com outras instituições internacionais. Todo semestre tem lançado editais conjuntos, Fapesp e Manchester que é nosso caso”. Ela menciona pontos importantes da internacionalização: “Não é só mobilidade, mas a parceria acadêmica, parceria científica, que se desdobra em projetos conjuntos, artigos publicados, colaboração, na descoberta de algum produto na área de biológicas principalmente que seja parte de uma parceria internacional, e isso é importante”, diz.

Um futuro promissor

O Brasil ainda tem um longo caminho pela frente quando se trata da diplomacia científica — principalmente se considerar que ela é um instrumento de soft power —, mas está caminhando bem.  Onuki cita que identifica países como Estados Unidos e Reino Unido como tendo políticas mais estruturadas em relação ao tema: com esses países, pode-se aprender “como articular melhor a diplomacia científica, que tem que envolver várias agências simultaneamente. Está havendo esse esforço [no Brasil], e acho isso bastante positivo”, avalia, considerando-se otimista com o futuro da internacionalização.

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