Projeto sinaliza modelo inovador de plantio para restauração ecológica

(fonte: LabTrop)

Um novo método de plantio para restauração ecológica demonstrou resultados promissores em pesquisas feitas em Caraguatatuba, litoral norte de São Paulo. A equipe do Laboratório de Ecologia de Florestas Tropicais (LabTrop), do Instituto de Biociências da USP, constatou que a nova técnica pode ser mais efetiva do que o método convencional devido à maior taxa de sobrevivência de mudas.

A descoberta resultou do projeto “Ecologia de restauração de ecossistemas da planície costeira no Litoral Norte de São Paulo”, que objetivou o teste de diferentes métodos de restauração ecológica e a ampliação do conhecimento sobre o ecossistema da planície costeira. Em parceria com a Petrobras (UTGCA e CENPES), o projeto somou pesquisa científica à prática de reflorestamento em uma área destinada à compensação ambiental pela empresa.

As técnicas testadas

O modelo convencional de plantio parte do princípio que as mudas precisam estar distantes umas das outras para conseguirem sobreviver, assim, evitando a competição entre elas. “Mas alguns estudos anteriores mostram que muitas plantas acabam morrendo sozinhas em fases iniciais do plantio, e quando estão com outra planta próxima delas a competição pode não ser tão agravante como se pensava”, explica a pesquisadora Adriana Martini, doutora em Ecologia e coordenadora do projeto.

A partir de estudos anteriores realizados no LabTrop pela pesquisadora Camila Castanho (professora da UNIFESP), surgiu a ideia de um plantio baseado na relação de facilitação, interação ecológica que acontece quando a presença de uma planta favorece o desenvolvimento de outra. Desse modo, as mudas foram distribuídas em núcleos de 13 indivíduos, muito próximas entre si, intercalando-se espécies pioneiras e não-pioneiras. Pioneiras, como define o projeto, são aquelas com crescimento mais rápido e que darão boas condições de sombreamento para as espécies que se desenvolvem mais lentamente.

Adriana conta que os dois modelos foram aplicados na área de reflorestamento para efeitos de comparação: “Fizemos uma área de plantio convencional, com intervalo de 2 metros entre as plantas, e também uma outra de plantio em núcleos.”

Organização do plantio em linhas (método convencional) e em núcleos (novo método) (fonte: LabTrop)

Após dois anos de acompanhamento, notou-se que a taxa de sobrevivência de plantas não-pioneiras foi maior nas áreas de núcleos do que nas linhas de plantio convencional.¹ Isso, possivelmente, devido ao sombreamento maior, que evita o excesso de luz sobre as mudas que ainda são frágeis, e, então, com a diminuição da temperatura nas folhas, a fotossíntese se torna mais eficiente.

Mas há uma ressalva: de acordo com Adriana, “valeu a pena plantar em núcleos para a sobrevivência das plantas, mas para o crescimento não. As plantas cresceram menos quando elas estavam juntas”. O crescimento menor das mudas indica uma possível competição pelos nutrientes do solo ocasionada pela proximidade, mas que não foi grande o suficiente para ocasionar a morte.

Investimento em longo prazo

O método de plantio em núcleos mostra-se mais vantajoso economicamente, apesar de exigir maiores gastos iniciais. Isso porque as plantas pioneiras e não pioneiras são todas inseridas no ambiente de uma só vez. Já no plantio convencional, é comum ser necessária uma ação em etapas, nas quais as espécies menos tolerantes à condição inicial do ambiente são inseridas somente após o crescimento das mais resistentes (chamado de plantio de enriquecimento). Em núcleos, portanto, todas estas etapas se concentram em uma só.

O maior desafio na implementação do plantio em núcleos está no convencimento dos financiadores de que a compra de mais mudas no início do processo pode se tornar uma economia a longo prazo, já que elimina a necessidade de mais etapas futuras de restauração naquele ambiente. “É vantajoso juntar o plantio em um só, sem ter que fazer um segundo posteriormente. As plantas sobrevivem mais desde o primeiro plantio, o que é um avanço em termos de restauração”, afirma Martini.

A área restaurada

Região destinada ao projeto de restauração ambiental, localizada ao lado da Unidade de Tratamento de Gás da Petrobras (fonte: Google Earth)

São 6,5 hectares de área destinada ao projeto de restauração, às margens do rio Camburu, em Caraguatatuba. Adjacente a ela se encontra a Unidade de Tratamento de Gás Monteiro Lobato (UTGCA) pertencente à Petrobras, construção que motivou o projeto de reflorestamento por compensação ambiental.

A planície costeira do litoral norte está inserida no domínio da Mata Atlântica e se caracteriza por uma transição entre as florestas de encosta e florestas de restinga. Na área onde foi feito o plantio, no entanto, a vegetação já havia sido desmatada há décadas e o que predominava eram espécies de gramíneas invasoras e algumas poucas espécies arbustivas. Em essência, uma área recoberta por capim.

Área destinada à restauração de ecossistema antes do início do plantio (fonte: LabTrop)

Foram então selecionadas 53 espécies de mudas para o plantio, de maioria arbórea e de relativa abundância na região, de acordo com a ecóloga. “Escolhemos espécies que ocorriam na região da planície costeira. Nós não havíamos feito ainda o levantamento da área de floresta próxima, mas tínhamos o conhecimento do que existia no entorno, nas planícies de Caraguatatuba, Bertioga e Ubatuba”, afirma.

A mata de referência

Sinalizada em vermelho está a área de restauração. Em amarelo, localiza-se a floresta de referência (fonte: Google Earth)

A floresta utilizada como referência para o projeto do Labtrop está geograficamente próxima à área de restauração e também pertence à faixa de planície costeira. Trata-se de uma floresta bem conservada, utilizada principalmente para a amostragem de vegetação natural do entorno da área de plantio.

Em uma amostra de 1,4 hectares desse fragmento florestal foram catalogados 4.222 indivíduos, pertencentes a 141 espécies vegetais. De acordo com Adriana, esta caracterização é importante para que, no futuro, os pesquisadores consigam avaliar o sucesso do projeto de restauração e, ao mesmo tempo, possam preencher lacunas no conhecimento registrado sobre os remanescentes florestais da região costeira.

Biomassa e funcionamento do sistema

Com o crescimento das mudas as folhas caem, degradam-se e incorporam material orgânico no solo. E quanto mais nutrientes o solo acumula, maior a riqueza de espécies e ainda mais complexa se torna a cadeia alimentar estabelecida no sistema.

Registros evidenciam o aumento da fauna no ambiente em restauração após o crescimento da cobertura vegetal (fotos A, B e C: José dos Santos Neto; D e E: Adriana Martini)

“Quantificamos as folhas que estavam caindo para medir o que estaria sendo incorporado no solo, fazendo levantamentos de serapilheira (resíduos vegetais depositados na superfície do solo) na floresta e na área de plantio. Assim, com o tempo, poderemos avaliar como os processos estão se aproximando nas duas áreas quanto à ciclagem de nutrientes”, explica a ecóloga em relação a mais uma linha de pesquisa do projeto, destinada à quantificação de biomassa, que foi conduzida principalmente pela pesquisadora Leda Lorenzo, professora da UNIFESP e colaboradora do LabTrop.²

Foram adotados vários métodos para a medição de biomassa durante o desenvolvimento do plantio. E concluiu-se que, em apenas dois anos, as novas plantas já agregavam a mesma quantidade de biomassa  encontrada na vegetação de capim anterior. Pode aparentar pouco, mas é um resultado de muito otimismo para quando a vegetação já estiver mais crescida e considerando que, agora, o ambiente engloba uma diversidade de ao menos 53 espécies vegetais.

Crescimento dos núcleos após 20 meses de plantio (fonte: LabTrop)

A dispersão de sementes e o potencial de conservação florestal

“Na área de floresta, temos um levantamento de plantas adultas, plantas jovens, algumas parcelas de plântulas e as sementes que chegam. É um levantamento de um ciclo inteiro de crescimento. Conseguimos avaliar quem chega, quem consegue germinar, quem cresce e quem se estabelece”, conta Adriana sobre a importância da coleta de sementes para análise.

Cerca de 18 mil sementes foram coletadas em um período de 36 meses na floresta de referência, sendo amostradas 81 espécies.³ Os resultados evidenciam o bom estado de conservação florestal, assim como os períodos de mais intensidade de dispersão de cada uma das espécies. Na prática, o resultado pode contribuir com a coleta de sementes para a produção de mudas em viveiros, por exemplo, e ampliar a diversidade de mudas para plantios futuros na região.

Dispersão de sementes através da interação com a fauna local (Fonte: Letícia B. Zimback)

Referências dos dados obtidos:

  1. resultados fazem parte do trabalho de Doutorado do aluno Ricardo Bertoncello, publicado na revista Basic and Applied Ecology. Conta com a co-autoria do doutorando Marcelo Pansonato e dos pesquisadores Dr. Alexandre Oliveira (LabTrop) e Dra. Karen Holl (UCSC);
  2. a quantificação de biomassa foi coordenada pela pesquisadora Leda Lorenzo, professora da UNIFESP e colaboradora do LabTrop e o estudo foi conduzido por sua aluna de mestrado Natácia Horikawa;
  3. dados obtidos da dissertação da aluna Letícia Zimback.

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