Ideias de governança predominaram na criação da Lei de Acesso à Informação

O processo de criação da Lei brasileira de Acesso à Informação (LAI), de 2011, foi marcado por ideias relacionadas tanto com o direito à memória e à verdade, quanto com a fiscalização dos órgãos públicos. Isso foi o que apontou a dissertação de João Francisco Resende, para o título de mestre em Ciências do Programa de Pós-graduação em Gestão de Políticas Públicas da EACH-USP.

Resende já utilizava a LAI como ferramenta de trabalho na área de inteligência de mercado. Ao dar início ao mestrado, ele percebeu que esse seria um bom objeto de pesquisa. À época da elaboração do projeto, o pesquisador notou uma escassez de estudos que investigassem a construção dessa lei e foi isso que o incentivou a analisar os atores e as ideias que a originaram.

Ele identificou que o início da formação de uma consciência relacionada à maior transparência pública se deu na passagem dos anos 1970 para os 1980. Nesse período, havia uma grande preocupação quanto a tornar públicos documentos de órgãos de informação e repressão da ditadura. “Na minha avaliação, esse debate no Brasil surge no contexto de redemocratização, de uma sociedade que estava exigindo mais direitos depois dos 21 anos de ditadura militar e que desejava controlar o Estado, depois de um tempo em que o Estado controlava a sociedade muito fortemente”, diz o pesquisador.

À época, foi estabelecido pela Constituição de 1988 o direito ao acesso à informação pública e ao habeas data, que consiste na solicitação e possível correção das informações mantidas pelo Estado a respeito de cada cidadão.

Segundo Resende, entre os anos 1970 e 1980 surge uma das principais ideias que guiaram a criação da Lei de Acesso à Informação. Ela partiu de arquivistas e historiadores e seu objetivo era garantir a pesquisadores e cidadãos comuns o conhecimento da história do país. Paralela a essa ideia está a dos familiares de mortos e desaparecidos políticos, que se fortaleceu nos anos 1990. Eles incentivavam a abertura dos arquivos da ditadura militar, com base na importância de se ter conhecimento sobre os detalhes da repressão e no direito à memória e à verdade em relação aos crimes cometidos pelo Estado.

Apesar de essas ideias, mais tarde, terem assumido um papel importante para o reconhecimento do acesso à informação como demanda, nenhuma delas foi predominante na criação da LAI. De acordo com o pesquisador, o argumento que guiou grande parte do que está estabelecido na norma é ligado à governança. Ele explica que o conceito se relaciona com prezar pela “melhoria da eficiência pública por meio do controle social.” O que ele define como: “Fiscalizar os gastos públicos, o funcionamento das políticas e realizar não só um controle das despesas, mas também dos resultados das ações do governo”.

Um aspecto da lei que está relacionado com esse pensamento e merece destaque é a promoção da transparência ativa, ou seja, o próprio Estado fornecer informação para a sociedade sem ser demandado. Isso pode ser ilustrado pelo Portal da Transparência, que traz um conjunto de informações constantemente atualizadas sem que o cidadão precise solicitar.

Apesar de os atores que levaram à criação a LAI possuírem pontos de vista diferentes, o autor da pesquisa aponta que “isso não significa que um grupo não ache justo ou legítimo o que o outro defende.” E revela o argumento que seu estudo reforça: “O que eu procurei demonstrar na minha dissertação é que o debate em relação à transparência pública no Brasil envolveu essas ideias em momentos diferentes e com atores diferentes. Ela é um resultado de visões distintas.”

Resende também aponta que, na construção das políticas públicas, nem sempre a melhor solução do ponto de vista técnico é a escolhida: “É política. O que vale é a capacidade dos atores sociais e políticos elaborarem suas soluções e defendê-las perante a sociedade ou fazerem acordos políticos que permitam a sua aprovação.”

Ele ainda explica que essa é uma forma pós-positivista ou cognitiva de pensar a construção de políticas públicas, pois enxerga o processo como sendo guiado pela forma com que vários grupos sociais e lideranças políticas entendem o mundo e percebem os problemas. Essa abordagem explicita o fato de os problemas não possuírem objetividade ou concretude em si mesmos, mas sim serem construídos socialmente.

Para exemplificar esse ponto, o pesquisador usa a “Leis Antifumo”, como a Lei nº 12.546 de 2011: “Há décadas de pesquisas que comprovam que o fumo é danoso à saúde, então porque a proibição do fumo em lugares públicos fechados surge apenas nesse período? O cigarro já não matava antes? O que pode-se concluir é que ele já era danoso, mas só é percebido mais tarde como um problema de saúde pública que exige uma ação do poder público, como a proibição do fumo em ambientes fechados de uso comum”.

Outro aspecto da formação da ideia de transparência pública destacado pelo pesquisador é o de que, mesmo na democracia, existem informações legitimamente sigilosas. Elas são geralmente relacionadas à segurança da sociedade, à defesa do País ou à privacidade do cidadão. Para Resende, há sempre uma tensão, pois ainda percebe a tendência por parte das instituições estatais, principalmente as ligadas à segurança pública e às relações internacionais, de classificarem toda informação como sigilosa. Ele, portanto, estimula o debate constante sobre o que é ou não legítimo de se reivindicar sigilo por parte do Estado ou amplo conhecimento pela sociedade.

 

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