Desigualdade socioeconômica afeta níveis da vegetação em São Paulo

A presença - ou ausência - de áreas verdes evidencia as diferenças sociais entre Morumbi (esq.) e Paraisópolis (dir.). Imagem: Marcela Locatelli/Revista Labverde

Heterogênea. Assim é a distribuição da cobertura arbórea na capital paulista de acordo com um estudo realizado em parceria entre a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq-USP) e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e publicado em artigo na Revista Labverde.

Com o objetivo de mensurar as zonas verdes do município, o grupo de pesquisadores avaliou uma área retangular de 25 km de extensão, utilizada inicialmente no projeto de pesquisa “Infraestrutura verde para a resiliência urbana às mudanças climáticas da cidade de São Paulo”. Começando na borda norte e terminando na região do rio Pinheiros, a área “corta a cidade, passando pelo centro, bem na ilha de calor. Nós cortamos ao meio a ilha de calor para ver o que podíamos fazer para resfriá-la. Foi como se a gente tivesse cortado o coração da cidade”, explica Maria de Assunção Ribeiro Franco, professora da FAU.

Uma vez delimitada a região de estudo, foram então realizadas análises de imagens de satélite do local, além de cálculos baseados no Índice de Vegetação ou TVI (Transformed Vegetation Index). De acordo com Marcela Minatel Locatelli, mestranda da Esalq envolvida no estudo, “esse índice destaca a vegetação em imagens multiespectrais, que são compostas por números cujos intervalos correspondem à diferentes bandas. Ele utiliza as bandas do vermelho e do infravermelho próximo e é calculado de forma simples e automática por meio de Sistemas de Informação Geográfica”. Com valores que vão de 1 (mínimo de vegetação) a 100 (máximo de vegetação), o TVI permitiu a divisão da região em duas classes: a classe 1, reservada para as áreas não vegetadas, em que o índice de vegetação não ultrapassou o valor total de 55; e a classe 2, de cobertura arbórea presente, na qual o TVI esteve entre 55 e 100.

O resultado da análise do TVI demonstrou a baixa presença de vegetação nas áreas centrais de São Paulo. Imagem: Marcela Locatelli/Revista Labverde

A partir dos resultados obtidos, foi possível concluir que, do total de aproximadamente 3.600 hectares de cobertura arbórea presentes na faixa analisada, a maior parte se concentra em áreas onde estão localizados parques como o Ibirapuera e o da Cantareira. Em contrapartida, as regiões menos arborizadas estão mais próximas do centro, apresentando um perfil comercial e forte urbanização.

Vila Andrade e Brás foram os distritos com maior e menor índice de vegetação, respectivamente. Imagem: Marcela Locatelli/Revista Labverde

Ao todo, a média de vegetação registrada ficou em torno de 21%, bem abaixo dos valores considerados ideais para uma metrópole (40%) e para refrear ilhas de calor (30%), mesmo com os valores das áreas mais arborizadas. Foram nesses locais, aliás, que uma outra problemática se revelou: devido à disparidade social, grande parte da vegetação encontra-se nas zonas nobres desses lugares, pouco presentes nas regiões mais pobres. É o caso da Vila Andrade, onde Morumbi e Paraisópolis coexistem em realidades contrastantes.

Pensando em possíveis medidas capazes de melhorar os níveis da cobertura arbórea municipal, Locatelli aponta a arborização viária como principal solução, desde que haja uma adequação prévia da infraestrutura urbana para receber a vegetação. Ainda de acordo com ela, “outros tipos de espaços vegetados também podem ser incentivados, como os jardins privados, telhados e paredes verdes, jardins-de-chuva, biovaletas, hortas e viveiros comunitários”.

Indo ao encontro dessas medidas, a professora Franco possui a proposta de criação de dois corredores verdes, chamados Trilha Norte-Sul 1 e Trilha Norte-Sul 2, que formariam linhas arborizadas ao longo de avenidas ou em margens de rios, servindo inclusive como vegetação ciliar. Além disso, seriam criadas também as zonas de amortecimento, ou buffer zones: “São áreas feitas para dar degradê de condição climática melhor, para fortalecer a área dos parques. Se há um corredor verde, o ideal é que exista uma área de amortecimento junto, para dar uma gradação de verde e ampliar os benefícios dele”, a professora esclarece.

Se concretizado, o projeto proporcionaria um aumento de 6% da média de vegetação e a área total passaria de 3.600 hectares para aproximadamente 5.700. Outros benefícios como redução das ilhas de calor e melhora na condição climática também seriam alcançados.

Os corredores verdes seriam uma possível alternativa para aumentar a área vegetada e melhorar o clima local. Imagens: Marcela Locatelli/Revista Labverde

Para a professora Franco, entretanto, o desafio da implementação de infraestruturas verdes vai além do mero aumento da vegetação: “A temática do verde é importantíssima, sem dúvida, mas antes disso vêm outras coisas. Como você vai falar em área verde para um povo que mal tem onde morar? Quando existem disparidades tão grandes, é muito difícil falar do verde”.

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