Relação entre doenças cardiovasculares em crianças e adolescentes e o consumo de alimentos saudáveis é incerta

Pesquisa feita em seis países da América Latina estuda como frutas, verduras e legumes podem interferir na saúde dos jovens

Estudar essa relação é especialmente difícil devido ao baixo consumo desses alimentos por parte dos adolescentes. (Imagem: Fancycrave)

Que comer frutas, verduras e legumes é importante para uma alimentação saudável, qualquer um sabe. Mas qual o real impacto desse consumo em crianças e adolescentes? Em uma revisão sistemática de artigos já publicados sobre o tema feita por Tatiana Sadalla Collese em sua dissertação de mestrado, desenvolvida na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a aluna procurou descobrir qual a relação entre a ingestão desses alimentos e as doenças cardiovasculares nessa faixa etária, mais especificamente, a síndrome metabólica.

“A ideia era fazer uma síntese do que realmente existe sobre o consumo desses alimentos por adolescentes, e ver se a partir desse consumo é possível observar algum fator protetor ou influência na saúde cardiovascular deles”, explica Tatiana. No entanto, após as buscas durante a revisão feita em 2016, a pesquisadora concluiu que a relação entre o consumo de frutas, verduras e legumes com a saúde cardiovascular de crianças e adolescentes ainda é inconclusiva.

A pesquisadora, junto de seu orientador Heráclito Barbosa de Carvalho, agora está fazendo sua tese de doutorado, que se propõe a ser uma continuação dessa linha de pesquisa. “Minha ideia com o doutorado é tentar achar ferramentas que consigam analisar melhor esse consumo, de uma forma mais forte, com mais acurácia, para ver se realmente essa relação continua inconclusiva”, comenta.

A tese tem centrado suas pesquisas em sete cidades de seis países da América Latina, sendo elas Buenos Aires (Argentina), Lima (Peru), Medelin (Colômbia), Montevideo (Uruguai), Santiago (Chile) e São Paulo e Teresina (Brasil). E, atualmente, a ferramenta desenvolvida já foi validada e está em fase de reaplicação. “A ideia é que uma mesma ferramenta avalie de forma muito semelhante todos os países. Então, é como se fosse uma régua. Eu quero que ela meça de 0 a 10 aqui em São Paulo, assim como ela vai medir de 0 a 10 em Buenos Aires”, explica a aluna.

Essa necessidade de padronização se deve às diferenças culturais e socioeconômicas de todos os países analisados. Assim, os questionários e os exames aplicados em todos os pacientes dos mais diversos países precisam ser os mesmos. No entanto, isso também não é uma questão fácil, já que para além das diferenças econômicas e culturais, a alimentação disponível nesses países é distinta e a variedade de etnias também pode ser um desafio, devido às diferenças fisiológicas de cada uma.

Um grupo complexo

O estudo é especialmente importante porque já existem vários que avaliam essa relação em adultos. No entanto, a pesquisa em adolescentes e crianças nunca teve a atenção devida, e, portanto, nunca teve muitas conclusões. Tatiana explica que isso acontece porque trata-se de uma faixa etária muito complexa. “O adolescente consome pouquíssimas frutas, verduras e legumes. Então, fica mais difícil mensurar. É uma quantidade muito pequena para eu tentar achar um efeito na saúde. Eu precisaria que ele consumisse mais para ver se tem ou não essa diferença”, diz.

Além disso, a questão fisiológica também se aplica nesse ponto. Ou seja, devido às mudanças hormonais que os adolescentes enfrentam durante essa fase da vida, não necessariamente uma alteração em exames de sangue signifique que ela esteja relacionada a alguma patologia. “Uma menina pode estar com o açúcar no sangue um pouco alto, mas não necessariamente é porque ela comeu muito açúcar. Isso pode estar relacionado com o ciclo hormonal dela, que naturalmente eleva um pouco a glicemia”, explica. E completa: “Agora, saber fazer essa diferenciação do que é da alimentação e do que é fisiológico, ainda é muito difícil, ainda precisa ser melhorado”.

O próximo passo

A intenção da pesquisadora agora é fazer uma coorte, um tipo de análise observacional, longitudinal e analítica que tem como objetivo estabelecer um nexo causal entre os eventos a que determinado grupo com característica semelhantes foi exposto e o desfecho da saúde final dessas pessoas. “Trata-se de um estudo muito mais forte do ponto de vista científico. Na coorte, a ideia é acompanhar essas crianças e adolescentes e a sua alimentação e, lá na frente, observar se elas vão desenvolver ou não doenças cardiovasculares”, explica.

O tipo de pesquisa que estava sendo realizado até o momento era o conhecido como transversal, que se caracteriza por ser um corte rápido. Segundo Tatiana “é como se tirássemos uma foto daquela população e fizéssemos algo pontual somente nela”.

O objetivo mais ambicioso do estudo é, de fato, encontrar alguma relação entre o consumo de frutas, verduras e legumes e o desenvolvimento de doenças cardiovasculares em crianças e adolescentes. “Existem muitas etapas até talvez um dia chegar lá. Mas meu objetivo como nutricionista hoje é encontrar uma forma melhor de estudar nutrição, porque eu acredito muito na nutrição e em como nossa alimentação tem uma poder grande na nossa saúde”, diz.

 

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