Pedras “vivas”, e com minerais valiosos, ainda despertam mistérios

Grandes interesses oceanográficos e econômicos envolvem os nódulos polimetálicos e as crostas de ferro-manganês

Nódulo Polimetálico (Crédito: International Seabed Authority) e Crosta de ferro-manganês (Crédito: American Geophysical Union)

Os nódulos polimetálicos e as crostas de ferro-manganês são depósitos minerais encontrados em ambientes marinhos e que possuem quantidades relevantes de elementos terras raras (REEs), além de outros metais como cobalto (Co) e, obviamente, ferro (Fe) e manganês (Mn).

Os REEs não são raros, mas possuem propriedades únicas em comum. Ítrio (Y), túlio (Tm) e neodímio (Nd) são exemplos. A demanda por esses metais é alta no mercado internacional, pois eles são aplicáveis em tecnologias ecológicas, como baterias recarregáveis e motores elétricos para carros.

A China controla, com estimativas em até mais de 80%, o mercado produtor de terras raras no mundo. (Dados: US Geological Survey; Gráfico: Caio Mattos)

Os professores Luigi Jovane e Christian Millo trabalham na sala 173 do Instituto Oceanográfico da USP (IOUSP). Ambos são italianos Jovane é da capital; Millo, de Trieste — e investigam esses depósitos polimetálicos.

O primeiro chegou ao Instituto em 2012; o segundo, dois anos depois. O romano veio ao país, pois sua esposa é brasileira; o triestino, para realizar um pós-doutorado através de contato com o professor Francisco William da Cruz Junior, do Instituto de Geociências (IG USP).

Jovane é paleomagnetista. “Meu objetivo é reconhecer, através do estudo das inversões de partículas magnéticas, as idades e as taxas de crescimento das crostas e dos nódulos”, explica o pesquisador.

Millo é geoquímico, estuda a abundância e o comportamento químico de isótopos estáveis nos oceanos. Há um ano e meio, seu foco tem sido na formação de crostas sobre corais e suas implicações ambientais.

O foco de ambos não é a exploração mineral, como gostam de frisar. De fato, o estudo ajuda a compreender determinados períodos históricos dos oceanos e, principalmente, o mistério por trás dessas pedras “vivas”.

Pedras “vivas”

Até o final da década de 1970, as crostas eram oficialmente chamadas de nódulos de montes submarinos. A relevância das peculiaridades entre crostas e nódulos pode ser relativo ao que se estuda. Mas, em questão de gênese, elas existem.

As crostas costumam se formar nos lados e no topo de elevações (como montes submarinos, platôs e rises). Os nódulos, por outro lado, se concentram nas planícies abissais (áreas extensas do fundo oceânico).  

Millo explica que a principal fonte das crostas vem de metais livres (ou seja, não vinculados a átomos de oxigênio) dissolvidos na água marinha (origem chamada de hidrogenética). Sua precipitação nelas é mais viável então na zona de mínimo de oxigênio (ZMO) – por volta de mil metros de profundidade – formada pela decomposição de seres vivos, a qual queima oxigênio da água.

Diferentemente, os nódulos polimetálicos podem se formar a partir dos elementos presentes no sedimento: origem diagenética. Jovane resume da seguinte maneira: “Os nódulos podem ser diagenéticos, mistos ou hidrogenéticos. As crostas normalmente são quase sempre hidrogenéticas”.

“São realmente pedras vivas. Elas (crostas e nódulos) começam a se formar como uma pequena lâmina em cima das rochas. E, ao longo de milhões de anos, as lâminas continuam crescendo uma em cima da outra”, sintetiza Jovane.   

Esses depósitos também se relacionam com o ambiente de outra forma. “Eles conseguem fazer uma troca com a base, transformando a estrutura cristalina do organismo ou da rocha onde ela se forma em crosta. Então têm uma função muito importante no fundo do mar”, revela o pesquisador romano.

A principal área de exploração e pesquisa de nódulos é a Zona Clarion-Clipperton, ao sudeste do Havaí. A Elevação do Rio Grande, ao sudeste do Brasil, desperta o interesse internacional no estudo sobre crostas. (Dados: GEOMAR Helmholtz Centre for Ocean Research Kiel; Gráfico: Caio Mattos)

História da exploração marinha

As pesquisas iniciaram-se remotamente com o estudo do sueco Emmanuel Swedenborg sobre a origem da petrificação de ferro-manganês, em 1734. Foram descobertos pela primeira vez em oceano profundo um século depois, pela Challenger expedition a mesma da qual a Oceanografia surgiu como ciência.

O químico John Young Buchanan estava na incursão britânica. Demonstrou então a presença de elementos terra rara nas crostas e nódulos — muito antes de Edward Goldberg e Svante Arrhenius determinarem noções sobre a mineração desses recursos marinhos após a Segunda Guerra.

Em 1965, o livro The Mineral Resources of the Sea, de John L. Mero, foi publicado. Era o estopim de inúmeras pesquisas financiadas por potências econômicas (fossem governos ou instituições particulares) voltadas, em parte, à exploração desses minérios.

Isso passou a ser regulado pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (de 1982), principalmente, na Seção 4 da Parte XI. É nela que se estabelece a International Seabed Authority (ISA). O órgão intergovernamental é responsável por controlar e organizar todas as atividades no fundo do mar, no solo oceânico e no subsolo que se encontrem além das jurisdições nacionais.

Mesmo com o desenvolvimento da área, ainda há muito a se descobrir. Por exemplo, no Pacífico — oceano em que se concentram as pesquisas sobre os nódulos polimetálicos — por volta de 20 montes submarinos foram mapeados e estudados. Há aproximadamente 50 mil.

O MarineE-tech

A Elevação do Rio Grande é uma das áreas de pesquisa do MarineE-tech. Firmado em 2009, o projeto é apoiado exclusivamente pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em cooperação com o Natural Environment Research Council (Nerc), do Reino Unido. Ao longo de fevereiro deste ano, ocorreu a primeira pesquisa em campo.

Curiosamente, ninguém sabe afirmar o que é a Elevação do Rio Grande. Há sete hipóteses principais sobre sua origem. “É uma área enorme e extremamente complexa, onde há uma série de formações, como vulcões, estruturas tectônicas, estruturas sedimentares. A gênese da Elevação do Rio Grande é muito complexa e, sem dúvida, não é apenas de um único tipo”, explica Jovane.

Parte de seus 3.000 km2 são os primeiros, e até então únicos, loteados pela ISA para pesquisa e extração específica de crostas de ferro e manganês. Seus direitos foram concedidos à estatal Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais (CPRM).

O projeto é interdisciplinar e envolve muitos cientistas do IOUSP e suas diversas áreas de pesquisa, dentre elas, as de Jovane e Millo. O romano, que celebrou seu aniversário em alto mar, está muito satisfeito com os resultados obtidos.

Haverá outras duas expedições, previstas para setembro de 2018 e  fevereiro de 2019, e de duração mensal. Ambas também serão coordenadas pelo IOUSP, em especial pelo professor Frederico Brandini. Os britânicos também estarão presentes, como na primeira.

Eles participaram do cruzeiro. Depois, vamos começar a publicar com eles. Tudo vai ser feito em conjunto. É isso que o acordo diz”, comenta Jovane. Aconteceu, também, uma pesquisa de campo na Tropic Seamount, no Atlântico Norte, coordenada pelos britânicos em 2016.

O MarineE-tech não envolve experiências simuladoras de mineração para monitorar o comportamento ambiental. Contudo, Jovane acredita que é algo relevante a ser realizado pela equipe no futuro, considerando-se os interesses econômicos do governo brasileiro.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*