Genes responsáveis pelo câncer de mama em mulheres jovens são caracterizados por pesquisadores da USP

Câncer de mama precoce é considerado raro e mais grave do que o que acomete a mulheres mais velhas. (Ilustração: Carolina Yukie Horita/MdeMulher).

Um câncer pode se desenvolver por diversos motivos. Ao longo dos anos, fatores internos e externos ao organismo podem causar o surgimento de células anormais, que se replicam de maneira descontrolada, o que caracteriza a doença. Sendo assim, é muito mais comum que o câncer acometa indivíduos com 50 anos de idade ou mais.

No entanto, há certos cânceres que são conhecidos por serem comuns em pessoas jovens. Esse é o caso, por exemplo, dos sarcomas ósseos e de partes moles, que se caracterizam por começar em tecidos conjuntivos — como os músculos e os ossos — e da leucemia, câncer da medula óssea e do sangue. Já outros, como o de mama, são considerados raros quando afetam pacientes com menos de 30 anos de idade.

Com os casos precoces da doença em mente, um grupo de pesquisadores na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) realizou estudos para descobrir mais sobre o motivo do desenvolvimento do câncer mamário em mulheres com menos de 35 anos. A pesquisa foi baseada na tese de doutorado de Giselly Encinas, que também tratava do assunto, e contou com a participação de mais 18 pesquisadores. Dentre eles, está a orientadora, professora Maria Aparecida Koike Folgueira.

Já se sabe que o câncer pode ser causado por mutações genéticas hereditárias, aquelas transmitidas de pais para filhos, ou adquiridas, que ocorrem ao longo da vida por duplicações anormais das células das mamas. Mas o estudo realizado dentro do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), da Faculdade de Medicina da USP, foi além. Os casos considerados prematuros que estão sendo estudados são cânceres do tipo luminal e subtipo HER2 negativo, que se caracterizam por comumente apresentar uma alta expressão de receptores de estrogênio e progesterona. E o foco da pesquisa é estudar as mais frequentes mutações genéticas por trás desse tipo da doença.

O grupo teve como objetivo caracterizar as mutações germinativas, isto é, hereditárias, nos genes BRCA1 e BRCA2 (genes de predisposição à síndrome de câncer de mama e ovário hereditário) em um grupo de 79 pacientes brasileiras jovens e também identificar as mutações somáticas no câncer luminal estudado. A mutação somática é aquela adquirida, ou seja, não hereditária, presente apenas nas células tumorais, resultante de agressões ao DNA decorrentes de processos celulares ou ambientais.

Segundo resultados da pesquisa, 17% dessas mulheres jovens eram portadoras da mutação germinativa BRCA1/2. Além disso, ao se estudar oito amostras luminais HER2 negativas integradas com outras 29 amostras, com as mesmas características, do banco de dados Cosmic (Catálogo de Mutações Somáticas no Câncer), também foi descoberto que os genes mais frequentemente mutados são PIK3CA, GATA3, TP53 e MAP2K4. Ademais, o estudo também apontou que 54% das pacientes apresentavam mutações patogênicas em pelo menos um gene envolvido na transcrição gênica — processo de formação do RNA a partir de uma cadeia-molde de DNA.

Para conseguir isso, os pesquisadores usaram técnicas de sequenciamento modernas. “A gente fez o sequenciamento completo do exoma das pacientes. Ou seja, sequenciamos todos os genes que são transcritos no genoma, já que a gente não sabia o que estava mutado”, explica Maria Aparecida Folgueira.

O estudo, publicado em abril de 2018 e patrocinado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), é essencial para que seja possível o aprimoramento dos tratamentos voltados para os casos de origem hereditária e, até mesmo, para que se evite tal forma da doença. “Parentes próximas das pacientes que são portadoras de mutação germinativa de BRCA1 ou BRCA2 devem fazer pesquisas para saber se também são portadoras da mutação. Caso positivo, é recomendado realizar exames para detecção precoce do câncer ou até cirurgia profilática para evitar câncer de mama e ovário”, diz a professora.

Um câncer mais agressivo

Estudar o câncer de mama que afeta as mulheres jovens é necessário pela sua raridade, mas também pelo fato da doença precoce apresentar algumas diferenças biológicas. As mulheres pré-menopausadas, com menos de 35 anos, tem, por exemplo, maiores chances de falecer em cinco anos devido a doença, em relação às mais velhas. “A maioria das pacientes estão vivas. Mais de 90% das pacientes mais idosas estão vivas, enquanto a sobrevida em cinco anos de mulheres jovens gira em torno dos 85%. É uma diferença de apenas 5%, mas estatisticamente ela é significante”, explica Maria Aparecida.

Além disso, o câncer de mama prematuro é considerado mais brutal, com maior probabilidade de apresentar um grau histológico 3, o que caracteriza um tumor mais agressivo com perda da morfologia de glândulas e alta frequência de mitoses (duplicação de células). “A gente vê que as pacientes jovens tem principalmente carcinoma ductal, enquanto nas mais idosas esse tipo responde por 80% dos casos. São pequenas diferenças, então não é como se fosse um tumor completamente diferente”, diz a professora. Carcinoma ductal é um tipo de câncer originado de tecido epitelial e caracterizado por obstruir ductos mamários e invadir tecidos próximos.

Outra diferença do câncer de mama precoce é em relação a sua causa. As chances de uma mulher jovem ter um tumor ligado a uma mutação hereditária é maior em relação às mulheres mais velhas. No entanto, apesar disso, dentro dos casos de câncer mamário em mulheres menores de 35 anos, o tipo hereditário tem índice de ocorrência menor do que 10%, o que faz a maioria dos casos serem considerados esporádicos.

O câncer de mama no Brasil

O câncer de mama é considerado, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA), o que mais afeta as mulheres no Brasil e no mundo. E a estimativa é de que haja cerca de 59.700 casos em 2018. Além disso, segundo dados do Registro Hospitalar do ICESP, 10,1% dos casos de câncer de mama, diagnosticados entre maio de 2008 e abril de 2014, correspondiam a mulheres jovens (18 a 39 anos).

É válido ressaltar também que o câncer de mama acomete homens, apesar deles representarem apenas 1% do total de casos da doença.

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