Paciente pré-transplante de fígado não corre risco de grandes sangramentos bucais

Cientistas buscam comprovar que realizar procedimentos odontológicos nessas pessoas é perfeitamente seguro

A hemorragia é definida como o vazamento de sangue para fora dos vasos. (Imagem: Reprodução / Tua Saúde)

Pessoas na lista de espera para um transplante de fígado, ao contrário do que se acreditava, não têm chances de apresentarem grandes hemorragias na cadeira do dentista. É isso que mostra uma pesquisa comandada por uma professora da Faculdade de Odontologia da USP. O estudo contradiz as ideias presentes na literatura até então, que recomendavam evitar procedimentos odontológicos nesses pacientes.

De acordo com a profissional encarregada do projeto, a docente Karem López Ortega, dentistas do Centro de Atendimento a Pessoas Especiais (Cape) da Faculdade vêm atendendo pessoas com um alto nível de comprometimento desse órgão há aproximadamente quinze anos. Com o passar do tempo, ela resolveu formar um grupo específico com alunos de pós-graduação e especialização para atendê-los.

“Na literatura, havia muitos avisos sobre o perigo de hemorragias nesses indivíduos. O fígado tem várias funções, e uma delas é estabilizar a coagulação. Todo dentista tinha muito medo de atender esses pacientes no consultório por causa do risco de sangramento. Ao começar a atender, vimos que não era bem assim”, comenta Karem.

 

A coagulação no corpo humano se dá através da formação de uma espécie de “rede” que impede o vazamento de hemácias. (Imagem: Reprodução / Mundo Educação)

No final de 2017, uma mestranda chamada Janaína Medina fez, como projeto de tese, um levantamento do sangramento das 190 pessoas pré-transplante de fígado que foram atendidas no Cape de 2002 a 2017. Ela reviu as fichas, que informavam sobre o sangramento desses indivíduos, e percebeu que os números não eram muito maiores do que o normal.

Assim, a pesquisadora concluiu que a transfusão sanguínea, que é o tratamento recomendado pela literatura em caso de procedimentos odontológicos em pacientes com o órgão comprometido, era desnecessária. Os profissionais da faculdade realizaram cirurgias nessas pessoas sem precisar de bolsas de sangue. Dessa forma, tornou-se possível economizar recursos e evitar processos médicos inúteis. Além disso, quando uma pessoa recebe muitas transfusões, o lado positivo da doação é minimizado. “Se um paciente recebe muitas bolsas de sangue, ele acaba criando barreiras que diminuem o efeito dessas transfusões”, explica Karem Ortega.

O estudo iniciado por Janaína, além de ser publicado por uma revista estrangeira reconhecida internacionalmente, será continuado pela professora Karem até 2020 com o apoio de uma bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O objetivo é traçar um perfil que use exames baratos para encontrar características biológicas que permitam um entendimento melhor de quando o indivíduo que vai receber um transplante de fígado vai sangrar ou não. “Vimos que os exames convencionais não eram precisos para prever essas hemorragias como fazem com outras pessoas”, justifica a docente. “Não estamos dizendo que esse paciente não sangra, porque ele de fato sangra mais. Mas não há necessidade alguma de uma transfusão. É algo que, com as condições certas, pode ser controlado num consultório odontológico.”

Entre os possíveis resultados, está a diminuição de gastos do sistema de saúde pública devida à redução do uso de transfusões e o oferecimento de mais tratamentos odontológicos para essas pessoas, já que muitos dentistas, com medo de causar grandes danos, se recusam a atendê-los, dizendo-se incapazes.

A pesquisa deve ser finalizada, de acordo com a cientista, em um ano e meio ou menos. “O que buscamos fazer aqui são trabalhos de pesquisa que têm aplicação clínica imediata”, finaliza Karem.

Além da pesquisa, a Faculdade de Odontologia está trabalhando em parceria com o Hospital das Clínicas (HC) para planejar a incrementação dos resultados encontrados. A parte relacionada ao hospital está sob encargo de Juliana Franco, pós-graduada em Odontologia Hospitalar pela USP. “No HC, será realizada a coleta e análise dos exames laboratoriais, principalmente relacionados aos fatores de coagulação e anticoagulação sanguínea. Ademais, será estudada a adequação da cavidade bucal com a realização de procedimentos cirúrgicos, como a extração dentária, com a verificação e quantificação do sangramento transoperatório”, explica. Assim, espera-se que a quantificação dos dados seja mais precisa e completa.

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