Respostas afetivas após exercícios influenciam na ingestão calórica

Consumo energético depois da prática está associado à percepção de prazer da atividade

Imagem: Dreamstime/Reprodução

Você provavelmente percebeu, de antemão, que dependendo da atividade física realizada, sua fome após a prática pode ser diferente. Em determinadas situações, sentiu vontade de ingerir maior quantidade de alimentos; em outras, menor. Mas o que será que é determinante para essa variação?

Um projeto de iniciação científica da Escola de Educação Física e Esportes (EEFE) procurou viabilizar o início do estudo, aqui no Brasil, a respeito da ligação entre quantidade de calorias ingeridas e nível de prazer, após a realização de exercícios em diferentes intensidades.

Esta intermediação entre respostas afetivas e ingestão energética em relação à prática de atividade física embasou a iniciação “Tradução e adaptação da Physical Activity Enjoyment Scale e sua relação com ingestão energética após a realização de exercícios em diferentes intensidades em homens com sobrepeso”. O estudo foi realizado pela pós-graduanda do programa em Nutrição em Saúde Pública da USP, Alícia Tavares da Silva Gomes.

Alícia teve a tradução e adaptação cultural da Physical Activity Enjoyment Scale (Paces) como objeto da sua pesquisa. A Paces, como é conhecida, é uma escala bipolar que pontua o prazer que um indivíduo sente ou sentiu em relação a um exercício que acabou de fazer.

O instrumento

Uma escala é bipolar quando os valores mensurados por ela podem variar de acordo com a concordância ou negação à uma afirmação. No caso da Paces, que consta de 18 itens avaliados de um a sete que vão se somando, quanto maior o resultado do escore final, maior foi o prazer que a pessoa teve ao realizar a atividade.

Entretanto, o valor muda em função de cada item em questão. A consideração da pontuação deve levar em conta a relação com o sentimento positivo, visto que o resultado é diretamente proporcional ao prazer sentido. Alícia explica que, sendo assim, os valores são adaptados, para efeito de análise, de acordo com o viés da pergunta nos itens considerados invertidos.

A tradução e adaptação cultural do instrumento foram inéditas na língua portuguesa. Essa conciliação visava a melhor adequação para os focalizados pelo estudo. “Quando aplicamos aqui no Brasil, percebemos que os voluntários tiveram algumas dificuldades para entender que o questionário da escala era sobre aquele exercício que eles tinham acabado de fazer”, comenta Alícia.

Ela acrescenta que esta confusão se deu pela tradução literal do inglês para o português. “Tivemos que fazer algumas adaptações, que foram coisas mínimas, mas que ajudaram a fazer as pessoas daqui entenderem a escala”, explica Alícia sobre a modificação da conjugação verbal para o pretérito perfeito.

Com a escala traduzida e adaptada, pode-se dar continuidade ao protocolo do estudo. A bolsa de Iniciação Científica de Alícia integra um projeto de pesquisa (mais abrangente) de sua orientadora e pós-doutoranda, Valéria Leme Gonçalves Panissa. A partir deste ponto, a integração entre a atuação de orientanda e orientadora se deu ainda mais necessária e complementar.

Ingestão calórica em cada intensidade

Realizada com 9 indivíduos, todos os envolvidos na pesquisa foram voluntários e homens. A escolha, conforme esclarece Alícia, foi motivada principalmente pelo fato das mulheres sofrerem maior influência das variações hormonais. “Como tem a questão de apetite, fome e comida, nós preferimos tentar evitar o viés do ciclo hormonal” comenta.

Outro traço específico é que todos do voluntariado eram pessoas com sobrepeso. Delineada como a população com quem se queria atuar, a definição foi motivada pela possibilidade de mudança de vida e de hábitos dos envolvidos. “E aí entra também a minha figura pensando em Saúde Pública, promovendo a saúde deles”, declara a pós-graduanda da Unidade localizada nas Clínicas.

Os participantes foram submetidos à três sessões de avaliação. Primeiramente, fizeram-se testes para mensurar dados antropométricos e determinar o quanto seria 100% da potência aeróbia de cada indivíduo. Em sequência do primeiro passo, foram realizados dois exercícios: um contínuo de intensidade moderada (Ecim) e outro intermitente de intensidade alta (Eiai).

A determinação desses dois tipos de atividade tinha o intuito de relacioná-las com o sentimento de prazer. Desejava-se avaliar se haveria alguma diferença entre ambos os exercícios no que diz respeito às respostas afetivas, visto que a literatura estabelecia que quem realizava o treinamento de Eiai tinha uma maior sensação de prazer.

Para efeito de estudo, ambos exercícios foram equalizados em 30 minutos de duração. Assim, cada indivíduo realizaria cada um pelo mesmo período. A modalidade de alta intensidade consistia na intermitência de 30 segundos à máxima potência aeróbia e no descanso de mesmo tempo, até alcançar a duração final. Do outro lado, o exercício de intensidade moderada, que Alícia compara a uma atividade comumente realizada, corresponde à 50% da potência aeróbia máxima de cada um.

Os voluntários chegavam no laboratório às 8h da manhã em jejum mínimo de 10 horas. Eles tomavam um café da manhã inicial, composto por torrada, manteiga, iogurte de morango e cereal, e aguardavam descansando por uma hora até a realização do exercício determinado para aquele dia.

Logo após o término da realização da modalidade, o participante preenchia a escala, para se ter noção do nível de prazer que ele teve daquela atividade, e depois de 1 hora e meia era direcionado para uma sala. Nesta, era disposta uma mesa com 12 itens, dentre alimentos e bebidas, todos sempre na mesma disposição e quantidade. Essa refeição era ad libitum, privativa, e a disposição se justificava para que não houvesse nenhum tipo de interferência externa.

Representação esquemática do protocolo experimental. Imagem: Arquivo Pessoal/Reprodução

“A ideia era ver justamente o quanto eles comiam”, aponta Alícia. De acordo com ela, todos os alimentos eram pesados antes da pessoa entrar na sala e depois que ela saía. Desta forma, a diferença era considerada o quanto o participante tinha comido e o cálculo era feito por ela.

“E aí entra o meu papel. A gente queria entender qual era a ingestão calórica, tanto no dia que se fez o exercício de intensidade moderada quanto no do intermitente de alta intensidade”, comenta sobre a realização do cálculo dietético.

E o que se constatou? Ao final, não foi percebida nenhuma diferença estatística na quantidade de energia consumida entre as duas intensidades, mesmo com a associação à sensação de prazer. Isto significa que as respostas afetivas e a quantidade de calorias ingeridas a posteriori estão sim correlacionadas com a prática de exercícios, mas independente da intensidade destes.

Pesquisa premiada

A iniciação científica foi premiada com uma Menção Honrosa na 25ª edição do Siicusp (2017). Com base nisto, Alícia pôde concorrer à uma vaga para apresentar o seu trabalho no exterior. Ela foi para os Estados Unidos fazer a apresentação na Universidade Rutgers no dia 8 de abril deste ano.

Ela conta que a escolha foi inesperada e que ficou muito contente pela Pró-Reitoria ter selecionado seu trabalho, por mostrar justamente essa dependência entre as áreas. “É uma baita oportunidade”, comenta sobre a apresentação do trabalho na Universidade estadunidense. “Mas eu acho que mais importante do que isso é reconhecer essa necessidade de integrar as áreas, de não separar”, completa Alícia.

“Tem um monte de coisa que você pode fazer na USP e que não necessariamente precisa estar vinculado à sua Unidade”, frisa a pós-graduanda, que apresentou recentemente seu trabalho na Universidade Estadual de Nova Jérsei, EUA. Foto: Arquivo pessoal/Reprodução

Exercício prazeroso, menor ingestão alimentar

“A ideia do projeto da Alícia faz parte de uma linha de investigação, que está em voga atualmente, a respeito de respostas afetivas mediadas pelo exercício”, esclarece Valéria. A orientadora explica que este assunto está em evidência devido à uma eventual importância de tal relação para a aderência à programas de treinamento.

Valéria também comenta que existiam projetos a serem desenvolvidos nesta temática, por docentes da EEFE, utilizando como a Paces como ferramenta para a avaliação da resposta. “Portanto, o projeto da Alícia consistiu em fazer a tradução desta escala que seria utilizada por outros estudos. Mas consistiu também na aplicação envolvendo ingestão alimentar”, conclui a pós-doutoranda.

Levando em consideração a formação tanto da Alícia quanto da Valéria  ̶̶̶̶̶ Nutrição e Educação Física, respectivamente ̶̶̶̶̶ e a importância desta coadjuvação, o ‘casamento’ das duas áreas de atuação foi fundamental, conforme ambas afirmam em uníssono.

“Uma coisa interessante é mostrar essa integração, que ela é necessária e que ela gera frutos. No meu caso, em particular, foi reconhecido pela própria Pró-reitoria com a premiação”, revela a orientanda.

E, deste intercâmbio de conhecimento, colheram-se muitos frutos. Como resultado, também foi possível perceber que quem comeu menos foi quem teve mais prazer. Desta forma, quanto mais satisfatório e prazeroso for o exercício, menor a quantidade de calorias que um indivíduo irá ingerir após a atividade.

“Toda vez que alguém não gostar de uma situação, ou que não se sentir bem naquele momento, vai tentar procurar algo que vá compensar. Existem vários tipos de mecanismos compensatórios que podem existir. E a comida é uma delas”, relaciona Alícia.

Repercussão do tema

Outro desdobramento do estudo da iniciação científica foi para a composição e estruturação de um artigo científico. Assinado por sete profissionais, o artigo nomeado ‘Energy intake post‐exercise is associated with enjoyment independently of exercise intensity’ possui vinculação com a EEFE e com a Universidade Central da Flórida, na qual Valéria está fazendo um estágio propriamente sobre o estudo.

Embasado na linha de projeto da pós-doutoranda, a publicação se fundamenta na pesquisa realizada pela Alícia sob a supervisão da orientadora. “O estudo foi publicado recentemente na revista Sport Science for Health, com os dados sobre as respostas afetivas. Mas analisamos também a percepção de esforço (RPE)”, menciona Valéria.

Segundo ela, a percepção de esforço nada mais é do que a própria percepção do indivíduo em relação à intensidade do esforço que ele realizou, em uma escala de 6 a 20. Uma combinação entre esta variável e a ingestão alimentar, apesar de não evidenciada no estudo, fomenta futuros modelos de exercícios que possam aumentar a resposta afetiva e, ao mesmo tempo, diminuir a percepção subjetiva de esforço, conforme defende Valéria.

“O que esse artigo se propõe a fazer é abrir um caminho para discussão”, anuncia Alícia. Ela ressalta que é uma área de conhecimento que está sendo muito explorada, que precisa de muita produção e que provavelmente deve ter um maior investimento das agências de fomento à pesquisa.

“Os nossos resultados estão considerando uma amostra de 9 indivíduos. Você nunca pode pegar uma amostra de 9 indivíduos e falar que vale para todo mundo. Precisa de mais pesquisa, de mais e mais até que vire um assunto consolidado”, afirma a pós-graduanda.

Para Alícia, um dos grandes destaques de toda a história é a questão da oportunidade. “Quem estuda na USP tem oportunidades que muitas pessoas de outras universidades não têm”, complementa. Ela alude à sua própria situação para enfatizar que um estudante pode realizar inúmeras atividades, como iniciação científica e participar de projetos de extensão e de grupos de pesquisa, em outras unidades.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*