Terremoto na Bolívia reabre discussão sobre atividade sísmica brasileira

O epicentro do terremoto foi localizado ao sul da Bolívia (Imagem: USGS)

No dia 2 de abril alguns pontos da cidade de São Paulo e outras regiões do país levaram um susto ao sentirem os reflexos de um terremoto que aconteceu na Bolívia. O tremor foi a cerca de 550 km de profundidade e o que as pessoas sentiram, na verdade, foram as ondas geradas durante a movimentação das placas tectônicas.

Nessa situação, o terremoto em solo boliviano foi resultado do contato em profundidade existente entre as Placas de Nazca e Sul-Americana. No entanto, para que se entenda como esses sismos costumam ser gerados nessa região é preciso deixar de lado as representações das placas que são dadas nos mapas convencionais. Ao analisá-los, tem-se a impressão de que as duas placas que estão sob a América do Sul estão lado a lado, mas, na verdade, a Placa de Nazca entra por baixo da Sul-Americana. Ou seja, sob a Bolívia está a placa Sul-Americana que tem cerca de 100 km de espessura e 550 km abaixo da superfície da Terra está a de Nazca. Por conta dessa característica, não se espera que tenha ocorrido maiores consequências aos locais afetados, considerando a grande profundidade em que aconteceu o tremor.

Marcelo Bianchi, pesquisador do Centro de Sismologia da USP e professor do Departamento de Geofísica do IAG-USP explica que o que determina o nível de destruição de um terremoto é a profundidade em que ele ocorre. Dessa forma, a mesma Placa de Nazca que está localizada a 500 km sob a Bolívia, também está abaixo do Chile, porém com uma profundidade bem menor. Lá, os rastros de destruição causados por terremotos são mais significativos, porque eles ocorrem mais próximos à superfície.

Você sentiu? Por que?

O fato desse terremoto ter acontecido a uma grande profundidade explica porque os brasileiros o sentiram. Bianchi afirma que as ondas emitidas por esses tremores perdem menos energia do que aquelas provenientes dos que acontecem na superfície, pois não há a necessidade de que elas atravessem as camadas superficiais da Terra duas vezes: a primeira quando elas entram no planeta e a segunda quando retornam até essas camadas.

Também existem questões relacionadas a distância entre os dois países. Marcelo afirma que o local da Bolívia onde foi detectado o tremor, é a “região sismicamente ativa mais próxima do Brasil”. Ele relembra um terremoto que aconteceu há dois anos no Acre – de magnitude 7,2 – sentido em Manaus, mas que foi imperceptível em São Paulo.

A região específica da cidade paulistana onde foram sentidos os reflexos também explica o fenômeno. Nas áreas entre os Rios Pinheiros e Tietê – onde houve uma grande incidência de relatos do tremor – o terreno é considerado mais frágil, por fazer parte de uma bacia sedimentar, formação geológica que tem a capacidade de amplificar as ondas dos tremores. Essa parte da cidade também é conhecida por abrigar altos edifícios e eles acabam por funcionar como pêndulos invertidos: quanto mais alto uma pessoa está em um edifício, mais ela vai sentir os efeitos das ondas.

O Brasil não tem terremotos?

Há algum tempo, a resposta mais comum para essa pergunta era “não”. Entretanto, os pesquisadores sabem que não é bem assim. Existem, sim, tremores em terras brasileiras. Porém os fatos que justificam tremores chilenos e bolivianos não se aplicam à realidade brasileira.

Bianchi explica que o mais importante para o Brasil são os sismos pequenos e que acontecem mais próximos da superfície. A grande maioria das atividades sísmicas registradas acontece até 700 km, onde a temperatura da placa ainda permite esse processo. Aqui, a placa de Nazca está a uma profundidade de cerca de 700 km, o que significa que ela já não causa mais tremores, devido a sua alta temperatura.

O que os estudiosos sabem hoje em dia é que nas regiões onde a litosfera – camada mais superficial e rígida da Terra – é mais fina há uma maior tendência a acontecer terremotos. “Nós vimos que em regiões onde não têm sismos, a litosfera chega a 200 km e em outras regiões ela chega só a 100 km e você observa mais sismicidade, mas isso não é para todo lugar”, diz Marcelo.

Os círculos representam os sismos ocorridos em território brasileiro até 2017 (Imagem: Centro de Sismologia – USP)

Encontrar uma causa que se aplique a maioria dos terremotos brasileiros é uma tarefa complicada. Existem diversas razões pelas quais ocorrem sismos no Brasil, mas, às vezes, elas explicam apenas uma determinada ocorrência. Bianchi dá o exemplo das cidades de Bebedouro (SP) e Londrina (PR). Nesses locais, os sismos são associados a extração de água de poços artesianos. Entretanto, esse não é o mesmo motivo pelo qual há tremores em Montes Claros (MG). Em outros locais, os tremores podem ser resultados dos esforços tectônicos causados pelo contato das placas de Nazca e Sul-Americana ou pode estar associado a espessura da litosfera, como mostrado anteriormente.

Qual a previsão do próximo terremoto?

Os terremotos não podem ser, de fato, previstos. Hoje, existem modelos estatísticos montados com base na ocorrência de atividades sísmicas passadas que levam a concluir determinadas informações. Com esses dados é possível saber que em um determinado período de tempo acontecerá uma certa quantidade de terremotos em um ponto. Por exemplo, no Brasil, acontece um terremoto de magnitude 5 a cada cinco anos. Embora não seja possível determinar a data e local exatos do fenômeno, é possível que o governo tome medidas que evitem que o tremor cause maiores danos ao local atingido.

Marcelo dá outro exemplo do modelo dizendo que todos os anos são esperados cerca de 10 terremotos de magnitude 7 ao redor do mundo e um ou dois de magnitude 8. O que também se sabe é que esses grandes terremotos provavelmente vão acontecer em locais onde o regime das placas e as atividades sísmicas permitem tremores desse porte, como no Chile e no Japão.

Sentiu aí?

O aplicativo desenvolvido pelo Centro de Sismologia da USP foi inspirado em uma ferramenta que já existia em outros países com maior atividade sísmica, em que a população poderia reportar aos pesquisadores onde e o que elas sentiram. No Brasil, ela foi implementada em 2015 e até hoje teve 1.214 relatos. Só no dia do terremoto da Bolívia foram recebidos 107.

Mapa gerado pelo aplicativo. Cada ponto em azul representa um relato. (Imagem: Centro de Sismologia – USP/site)

O Sentiu aí? consiste em uma série de perguntas que são respondidas por quem está reportando o tremor. Bianchi afirma que essa ferramenta tem sido de grande importância para as pesquisas, pois ela permite mapear os locais de incidência dos sismos e relacionar as informações obtidas a outros dados.

Mariana Maia, aluna da graduação de Geofísica do IAG, responsável pela coleta e análise dos dados obtidos através do aplicativo diz que “no Brasil, a rede sismográfica está crescendo bastante, mas ainda há muitos lugares em que a quantidade de dados instrumentais é um pouco escassa. Ter o relato de alguém que vivenciou pode ajudar a localizar o epicentro, a ter outras informações e a estudar a sismicidade.”

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