Racismo estrutural influencia relações de trabalho

Característica histórica do país marca relações hierárquicas e até conflitos judiciários no Brasil

Protesto contra o racismo no Rio de Janeiro. Foto: Tania Rego/ Agência Brasil

As consequências do racismo estrutural no Brasil afetam as relações trabalhistas, desde a hora da contratação de funcionários até no caso de conflitos judiciais. Uma tese de doutorado da Faculdade de Direito (FD) da USP, realizada por Humberto Bersani, revela como os espaços de trabalho ainda estão longe de atingir a igualdade racial. “O racismo estrutural não está presente só quando as pessoas praticam ofensas. A face comportamental é apenas a ponta do iceberg. Enquanto estrutura de opressão, ele opera no inconsciente, repercutindo nas mais diversas questões, tais como a apreensão estética e a sub-representatividade”, defende.

Bersani aponta que o racismo estrutural é uma característica histórica do Brasil, que remete ao período da escravidão e afeta as mais diversas áreas da sociedade. A desigualdade educacional nos ensinos médio e superior foi um dos pontos tratados na pesquisa. “Com a implementação das cotas e políticas públicas como o Prouni, houve uma ampliação do acesso ao ensino superior no país. Por outro lado, também ocorreu um processo de capitalização desse ensino, o que repercute na formação de muitas pessoas que ingressam em instituições comprometidas com a lógica de mercado”, explica.

Dentro das relações de trabalho, o pesquisador se baseou na teoria da Nova Morfologia do Trabalho, de Ricardo Antunes. Bersani destaca quatro elementos dentro desse conceito, definidos como essenciais nas relações produtivas atuais: informalidade, precarização, desemprego e desigualdade salarial. “A questão racial é muito marcante no perfil dessas quatro categorias, o que nos remete à afirmação feita pelo escritor Clóvis Moura no sentido do racismo como um componente da essência do capitalismo em nossa sociedade.”

No judiciário

O pesquisador ainda analisou como a Justiça trata das questões raciais nas relações trabalhistas. Para isso, foram levantadas 1.044 decisões proferidas pela segunda instância de todos os 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) do Brasil, além do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a partir de palavras chaves que remetiam à discriminação racial.

Do conjunto de casos em que foram reconhecidas práticas racistas pelos tribunais (apenas 52,1% deles), as vítimas eram, em sua maioria, homens (66,7%) e o crime foi cometido por um superior hierárquico (66%). “O racismo, ao estruturar as relações sociais, constitui um processo de naturalização, de modo que, subestimar essas práticas geralmente é algo comum. Encontrei algumas decisões com olhares rasos sobre o tema — perspectivas que negam o racismo mas, nas entrelinhas de seus fundamentos, o reproduzem. Em uma delas, por exemplo, o magistrado apreciou em três linhas um pedido de indenização por danos morais. A única argumentação dele foi que se o empregador fosse racista, como alega o autor do processo, não o teria contratado, pois também era afrodescendente.”

Limite de atuação

Bersani defende que o Estado não é capaz de acabar com o racismo estrutural no Brasil, mas pode contribuir para isso, incentivando o fim da “estratificação racial”, ou seja, quando negras e negros conseguirem ocupar espaços sociais proporcionalmente à composição da sociedade. “Isso não significa o fim do racismo, mas seria esse o limite de atuação do Estado e do direito em si, lembrando que a formação desse Estado nos leva à premissa de que ele se alimenta do racismo para a manutenção das estruturas postas.”

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