Estudo construído com moradores complementa história de Perus e região

Para além da conhecida fábrica de cimento local, novos conteúdos históricos, geológicos e geomorfológicos foram apresentados

Fragmento de mapa da região estudada. Fonte: Vellardi, 2017. Mapa original: Antonio A. Cordeiro, aluno da ULC

Devido aos seus aspectos geológicos, a região noroeste da metrópole de São Paulo constituiu-se um importante núcleo produtivo a partir da transformação de minerais — em especial o cal —, ainda que pouco visível na história da industrialização da capital. Dada sua potencialidade mineral de longa data, além de atrair a implantação de estações intermediárias ao longo da São Paulo Railway (SPR), primeira ferrovia do Estado, a porção metropolitana forneceu materiais utilizados na construção, urbanização e industrialização do município.

Verificou-se, ainda, uma particularidade na região: a relação indústria-ferrovia foi marcada pela primeira atraindo a segunda, e não o contrário, como ocorreu nas porções mais centrais da capital paulista.

As constatações estão contidas na dissertação de mestrado da geógrafa Ana Cristina V. Vellardi, que decidiu investigar o que ocorreu na porção noroeste da metrópole antes da compra da Cia Brasileira de Cimento Portland Perus, em 1951, pelo grupo J. J. Abdalla, período histórico pouco explorado por moradores locais.  

Conforme a pesquisadora explica, verificou-se que as narrativas sobre a história da região eram pautadas, principalmente, pela implementação da fábrica de cimento, em 1926, e luta dos trabalhadores da companhia — os  “Queixadas” — na década de 60. No entanto, foi constatado que, anteriores e junto às atividades produtivas da fábrica, havia outras ligadas à mineração. Nesse sentido, Ana destaca que, além dos trabalhadores da companhia, outros também tiveram sua participação na história regional. “Eu identifiquei a necessidade de voltar atrás no tempo para inserir a fábrica num contexto territorial maior”, pontua. “Ela é uma pesquisa que busca complementar a história que eles construíram e que é tão importante”.

Construído a partir do conhecimento local e com moradores da região, o estudo revisita a história regional a partir de 1867, data de implementação da Estação Perus, parada intermediária da SPR. A data, conforme a pesquisadora aponta, deveria ser considerada como o aniversário do bairro, concordando com a compreensão de alguns moradores.

Para além da fábrica de cimento: DNA mineral

A partir da organização cronológica das informações obtidas através de entrevistas com moradores locais e publicações de memorialistas de acervos pessoais, foi possível periodizar os recursos e as atividades extrativistas e industriais regionais.

Periodização realizada. Fonte: Vellardi, 2017. Crédito: Marcella Affonso

A fim de complementá-la, essa organização foi inserida em dinâmicas históricas e geográficas mais amplas. Nesse sentido, das informações resgatadas pela pesquisadora, destaca-se a publicação Ocorrências Minerais do Estado de São Paulo, uma espécie de atlas temático mineral que trata de sua produção e distribuição, com dados relativos aos anos de 1940 a 1950, data em que o documento foi publicado, atingindo também o ano de 1934. “Se identificou, em números, uma grande produtividade de cal naquela região inteira. Números que [até então] eram pouco conhecidos”, pontua a pesquisadora. “É como se o DNA dela fosse mineral”, complementa.

Em resumo, foi possível verificar a concentração de atividades envolvendo os minerais caulim, feldspato e granito no município de São Paulo — com destaque para os distritos de Perus, Anhanguera e Jaraguá; o calcário, caulim e granito em Franco da Rocha, cidade na qual são incluídas, também, terras dos atuais municípios de Caieiras e Francisco Morato; e o calcário e o caulim na macroárea de Santana de Parnaíba, estando presente, principalmente, no atual território de Cajamar.

Números de ocorrências minerais identificadas, de 1934 a 1949. Fonte: Verllardi, 2017. Organização: Ana C. V. Vellardi. Adaptação: Marcella Affonso

Cabe ainda destacar dois aspectos verificados pela pesquisadora na publicação. O primeiro é que as atividades envolvendo o cal, produto que interliga as localidades observadas no período de estudo, se concentraram nos município de Cajamar e Santana de Parnaíba — atingindo, respectivamente, 55 e 77 mil sacos de trinta quilogramas por mês —, sendo que para cada um dos locais foi verificado um maior extrator e produtor: a Cia Brasileira de Cimento Portland Perus, no primeiro caso, e as Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, no último. Nesse sentido, insere-se o segundo aspecto percebido: as atividades minerais realizadas no território de Perus se desenvolvem desde o início do século 20, estendendo-se ao período em que já se produzia cimento.

Construção conjunta

A geógrafa destaca que, apesar da pesquisa trazer novos conteúdos históricos, geológicos e geomorfológicos de grande relevância — que, inclusive, podem ser utilizados como subsídios por educadores locais que buscam contar a história de sua região —, o método pela qual foi construída merece maior importância. Como já mencionado, o estudo foi desenvolvido junto com moradores locais, partindo de suas histórias e memórias. “Eu ia construindo conhecimento provocada pelas informações que eu colhia deles, e, ao mesmo tempo, dando o feedback pra eles”. O método foi desenvolvido a partir das atividades que Ana realizou como aluna da pós graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP,  participando da Universidade Livre e Colaborativa em Perus, de 2013 a 2015. “É necessário a Universidade realizar pesquisas sobre as transformações da paisagem ao longo da história com os moradores, a fim de contribuir à reflexão e posicionamento diante de narrativas hegemônicas e de alterações da paisagem atual”, conclui.

A dissertação de mestrado Uma narrativa histórica e geográfica de paisagem da porção noroeste da metrópole de São Paulo: uma contribuição à educação foi orientada pelo professor Euler Sandeville Junior e defendida, neste ano, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. O trabalho, na íntegra, ainda não está disponível para acesso online.

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