Má distribuição das defensorias públicas por SP reflete desigualdades estruturais da sociedade

Criado para atender à população de baixa renda, serviço se concentra longe das regiões periféricas

Estado de São Paulo possui 41 unidades de atendimento da Defensoria Pública. Foto: Divulgação

Desde 2006, o estado de São Paulo conta com a Defensoria Pública para prestar serviços jurídicos gratuitos à parcela da população que não pode pagar por advogados. No entanto, a localização espacial das 41 unidades desse serviço na região configura o primeiro empecilho à garantia do acesso à justiça pela população mais pobre. Concentradas nas áreas centrais dos municípios, elas estão longe das regiões periféricas, onde se encontra a maior parte de seus usuários.

A constatação é da tese de doutorado do geógrafo Willian Magalhães de Alcântara, produzida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Intitulado Uso do território e justiça: a Defensoria Pública do Estado de São Paulo e os limites à garantia constitucional do direito de defesa, o trabalho defende que o uso desigual do território exemplificado pela distribuição da Defensoria é expressão de desigualdades estruturais maiores presentes no país.

Estabelecido na Constituição Cidadã de 1998, o serviço jurídico gratuito fornecido pela Defensoria é, afirma Magalhães, uma ampliação grande do acesso à justiça. Institucionalmente, ele é responsável por prestar assistência jurídica à população de baixa renda, com renda familiar em torno de dois salários mínimos — a depender da região.

Ao realizar um estudo geográfico do espaço, porém, a tese do pesquisador mostra que esse serviço está concentrado nos municípios paulistas detentores de padrões de vida mais elevados “Quando a gente olha para os municípios em que se localizam as defensorias, eles têm IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e renda mais altos que os municípios do entorno”, conta Magalhães em entrevista à AUN.

Essa distribuição espacial, segundo o autor, gera uma contradição do real papel das defensorias. Ao passo em que seu público alvo é a população de renda mais baixa, que normalmente reside nas áreas periféricas; suas unidades estão localizadas nas regiões centrais, que concentram melhor infraestrutura. “Isso faz com que o acesso dessas pessoas se torne mais difícil e, também, mais caro, porque elas vão ter que pagar as tarifas do transporte público para se deslocar para chegar ao serviço”, explica.

As diferenças se aprofundam ao se olhar para o interior dos próprios municípios. “Se um município tem IDH alto, uma renda alta, não quer dizer que todo mundo tem esse mesmo IDH e mesma renda. Se olhar para esse município, vou achar pessoas muito ricas e outras muito pobres”, pontua o pesquisador.

Ele explica que as áreas centrais dos municípios, que concentram as unidades de atendimento da defensoria, são aquelas onde convergem as linhas de transporte público, o que, a primeira vista, poderia demonstrar que a distribuição espacial do serviço está adequada. No entanto, ressalta que basta olhar à fundo o problema para perceber que aqueles que moram mais longe — nas áreas periféricas, muitas vezes — são os que mais se deslocarão e pagarão por isso. “São as pessoas mais pobres que vão pagar mais em termos de dinheiro e de tempo.”

O geógrafo ainda ressalta: essa não é uma particularidade da Defensoria Pública. “A maior parte das nossas cidades — e nas grandes cidades é possível ver isso com maior clareza — há essa diferenciação espacial: uma área mais central com a concentração de uma população de renda mais alta e de serviços mais especializados; enquanto nas áreas mais periféricas há a população de baixa renda com menos acesso a esses serviços”, pontua.

Essa não é a primeira fez que Magalhães se debruça sobre o assunto. Formado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ele realizou um mestrado na instituição sobre a distribuição territorial da Defensoria Pública na capital pernambucana, Recife. O pesquisador afirma que o panorama encontrado na cidade nordestina não difere tanto do cenário paulista. “Provavelmente, quem realizar uma pesquisa sobre a distribuição da defensoria pública no Brasil hoje vai encontrar resultados semelhantes.”

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