Habitações sociais são melhores quando moradores participam de sua construção

Constatação é baseada em pesquisa de campo desenvolvida em seis unidades do programa Minha Casa Minha Vida

Conjunto Parque Estela, um dos pioneiros na modalidade Entidades. Foto: Paula Noia. Modificação: Marcella Affonso.

Espaços maiores e mais organizados, com melhores condições de ventilação e iluminação, concebidos com materiais mais duráveis. Sem custar um centavo a mais por isso, essas são algumas das vantagens que os ambientes construídos com a participação de seus moradores apresentam em relação às construções realizadas através de processos não participativos, conforme aponta a arquiteta e pesquisadora Paula Noia em sua tese de doutorado, Participação e qualidade do ambiente construído na habitação: processo e produto no programa Minha Casa Minha Vida Entidades.

De acordo com a arquiteta, existe uma vasta bibliografia que trata da importância dos processos participativos na construção de moradias populares para a emancipação social e política de seus usuários, mas há pouca pesquisa empírica que demonstre, sob o viés da arquitetura, de que modo isso pode influenciar na qualidade dos espaços físicos construídos. “A gente sempre ouve que ‘a participação é melhor’, mas temos poucos dados que demonstram o quão melhor é ou se, de fato, ela melhora os espaços do ponto de vista arquitetônico”, comenta Noia.

Para compreender a relação entre os processos participativos e a qualidade do espaço construído, a arquiteta realizou uma pesquisa de campo, desenvolvida entre 2015 e 2017, em seis unidades habitacionais do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), todas localizadas na região metropolitana do município de São Paulo: três pertencentes à modalidade Entidades, na qual as famílias beneficiadas participam do processo de construção de suas habitações — Condomínio Residencial Parque Estela, João Cândido e Condomínios Florestan Fernandes e José Maria Amaral —, e três à modalidade Regular, na qual os recursos são geridos por construtoras, utilizando de processos não participativos — Condomínio da Gema, Conjunto Residencial Vila Espanha e Residencial Jardim Portinari.

Durante a pesquisa, foram comparados os aspectos gerais, físicos e espaciais — todos eles esmiuçados em sub-aspectos, como área, conexão com o entorno, segurança estrutural, eficiência à manutenção, organização dos espaços, dentre outros — dos seis conjuntos analisados.

Ambiente construído: o “milagre”

Ambas as modalidades analisadas (Entidades e Regular) são enquadradas no programa MCMV na categoria denominada “Faixa 1”, destinada a famílias com renda de até R$ 1.800, e recebem, segundo a pesquisa, o mesmo aporte financeiro do Governo. Conforme a arquiteta explica, a diferença entre elas está unicamente nos processos de gestão dos recursos empregados, possibilitando revelar a real influência que os processos participativos têm sobre a qualidade das habitações entregues às famílias beneficiadas.

A pesquisa demonstra que o fato de os usuários estarem envolvidos com a construção de suas moradias — desde o momento de escolha do terreno e dos materiais a serem utilizados na obra — possibilita um melhor uso dos recursos públicos empregados. Com a mesma verba, foram comprados materiais de melhor qualidade, construídas torres mais planejadas e com áreas úteis 20% superiores e viabilizados espaços destinados ao lazer maiores e mais qualificadas.

Análise comparativa dos casos. Crédito: Souen Nahas. Fonte: Paula Noia, 2017

Para avaliar a qualidade das habitações sociais analisadas, a arquiteta definiu uma escala de notas de 1 a 5. Nos três aspectos observados (gerais, físicos e espaciais), as unidades construídas com a participação de seus moradores obtiveram resultados superiores às construídas de modo não participativo. No geral, estas primeiras atingiram uma média de 4,58, enquanto as pertencentes à modalidade Regular obtiveram uma média de 3,27.

Com a análise realizada, a pesquisa comprova, portanto, uma hipótese antiga de que ambientes construídos com a participação de seus moradores são melhores do que aqueles construídos de forma convencional. “Eles conseguem fazer milagre. Com a mesma quantidade de dinheiro, eles constroem apartamentos de qualidade nitidamente superior”, analisa a pesquisadora.

Autogestão x burocracia

A criação da modalidade Entidades, em 2009, levou a produção autogestionária de luta por moradia ao Governo Federal, ao atender, dentro de um programa oficial, famílias organizadas em entidades sem fins lucrativos, como cooperativas habitacionais. Mas, conforme a pesquisadora observa, problemas estruturais como a burocracia acabam por prejudicar a autonomia das famílias beneficiadas e seu domínio sobre os processos de construção, causando prejuízos tanto aos processos participativos quanto à própria atuação política e social dos movimentos de moradia na reforma urbana, seu objetivo central.

Nesse sentido, apesar de ressaltar a importância da modalidade e de enaltecer o trabalho realizado pelos movimentos sociais através dela, Noia alerta para o fato de que ainda é preciso melhorar a forma como o programa vem sendo implementado, já que, ao invés de contribuir para que os objetivos emancipatórios desses grupos sejam atingidos, ela pode vir a miná-los.

A tese de doutorado foi orientada pela professora Erica Yukiko Yoshioka e defendida, em abril, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. O trabalho na íntegra pode ser acessado aqui.

 

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