Pesquisa avalia a relação de professores com a educação sexual nas escolas brasileiras

Foto: Marcos Santos/USP Imagens

As estatísticas brasileiras relativas à transmissão de DSTs, gravidez na adolescência e violência sexual explicitam um grave problema acerca da educação sexual. A tese de doutorado da pesquisadora Anice Pássaro leva em conta esses aspectos e visa “verificar o grau de conhecimento, conforto, motivação e envolvimento dos professores brasileiros do ensino fundamental em relação à promoção da educação sexual em meio escolar”.

O estudo utiliza o Quesme (Questionário de Educação Sexual em Meio Escolar), aplicado a professores, que avalia as quatro dimensões citadas pela pesquisa no seu objetivo principal: conhecimento dos professores a respeito da legislação e enquadramento legal na educação sexual; conforto dos professores na abordagem de temas relativos à sexualidade com alunos; a motivação, ou seja, a importância dada ao tema pelo professor; e o envolvimento dos professores em ações que tratem da sexualidade.

O Quesme é originário de Portugal e, para que pudesse ser aplicado no Brasil, precisou passar por adaptações. Além das alterações linguísticas necessárias, Anice conta que mudanças foram realizadas também para adequar o questionário à realidade brasileira: “A dimensão avaliada pelo Quesme sobre o conhecimento dos professores em relação à legislação e orientações ministeriais vigentes foi a que sofreu maiores alterações, devido às diferenças normativas entre os dois países”. Como conta a pesquisadora, Portugal conta com dispositivos legais relativos à educação sexual no âmbito escolar surgidos no final do século passado e que no Brasil não existem instrumentos tão formais e diretos. O processo de adaptação do questionário contou com o apoio da professora Carla Serrão do Instituto Politécnico do Porto, uma das autoras do Quesme original.

Atualmente em fase de coleta, que conta com um número de 300 a 500 professores correspondentes, a pesquisa de Anice Pássaro pode contribuir de maneira importante para a sociedade brasileira. “Acho que, de concreto, teremos um instrumento que poderá ser utilizado para verificação de políticas públicas adotadas em relação à educação sexual. [O Quesme] surgiu em contexto português para avaliar se, de fato, havia a abordagem de educação sexual após o advento das leis que tratavam da obrigatoriedade da realização de educação sexual em contexto escolar. Penso que isso possa ocorrer também no Brasil, obviamente respeitando as particularidades sociais, históricas e culturais de nosso país.”

A pesquisadora diz que o ensino da sexualidade foi incluído no currículo brasileiro como um tema transversal. “Antes disso, há registros de discussões ainda incipientes ocorridas nas décadas de 1920 e 1930.” Nos anos 1960, temáticas acerca da sexualidade e gênero passaram a ser discutidas com mais frequência e de forma mais elaborada por professores e intelectuais, junto dos movimentos políticos da época, mas cessaram poucos anos depois. “Com o advento da ditadura no Brasil (em 1964) essas discussões foram abortadas e assuntos como sexualidade banidos da escola”. Os temas só voltariam aos currículos nos anos 1980, após a redemocratização e a educação formal só passou a tratar de temas ligados à sexualidade de forma mais enfática a partir dos anos 1990, com o início da elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) pelo MEC, assim como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).

Anice conta que a motivação para a realização do estudo foi ver como a educação básica tratava a sexualidade de maneira extremamente confusa com os alunos e em reuniões de pais e mestres, tendo para isso o exemplo de sua experiência com a própria filha. Como reflexo disso, Anice vê os estagiários que supervisiona, pessoas de 19 a 25 anos na média, com grandes dificuldades para falar e lidar com a temática.  Além disso, percebe, atendendo mulheres com disfunções uro-genitais, que muitas vezes assuntos ligados à sexualidade surgiam com queixas nunca relatadas a outros profissionais de saúde. O estudo contou com orientação da fisioterapeuta e professora Amélia Pasqual Marques, do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da USP.

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*