Pesquisador defende gastronomia como instrumento de valorização da cultura brasileira

A territorialização dos alimentos fomenta as pequenas cadeias produtivas, promovendo sistemas de consumo e produção mais sustentáveis

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A pesquisa desenvolvida por Sandro Dias, doutor pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, tese defendida recentemente: “Do campo à mesa: limites e possibilidades de uma Gastronomia Sustentável”,orientada pelo Prof. Dr. Paulo Eduardo Moruzzi Marques, investiga a relação entre gastronomia e sustentabilidade por meio da análise crítica do sistema de produção e consumo que incide sobre a cultura do ‘comer fora’. O objetivo da pesquisa era verificar em que medida os estabelecimentos escolhidos para estudo tinham ações compatíveis com a sustentabilidade ambiental, conceito apoiado na ideias de ‘territorialização’ dos alimentos utilizados e de valorização dos produtos naturais.

Dias conta que, em seu trabalho, procurou observar algumas experiências que ele julgou promissoras, pensando em lugares que viam a gastronomia como uma fonte de um sistema de inovação voltado para a sustentabilidade. Ele, entretanto, lembra que, lamentavelmente, esses estabelecimentos são minoria. Uma expressão dessa prática, levantada por Sandro Dias, é a utilização das chamadas plantas alimentícias não convencionais (PANC) que são alimentos que ou deixaram de ser consumidos ou nem eram consideradas comestíveis e que podem enriquecer a gastronomia (ex: picão-branco, urtiga mansa, trapoeraba, serralhinha e ora-pro-nobis).

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“Em Nova Odessa, por exemplo, há um jardim botânico com uma espécie de laboratório de PANCs e que se beneficia de um restaurante refinado de escala moderada onde o chef de cozinha procura incluir no seu menu essas plantas não convencionais”, conta Sandro afirmando que essa experiência é valiosa, uma vez que esses produtos são produzidos localmente e foge dos insumos convencionais que encontramos nos supermercados e nos ceasas, como é o caso das hortas periurbanas que proliferam nas cidades da região, como é o caso de Limeira-SP O pesquisador ainda acrescenta que, na região de Águas de São Pedro, ele encontrou outra experiência que usa os produtos locais para desenvolver artigos gastronômicos: “Eles desenvolvem compotas, geleias e outros doces com produtos locais como o jaracatiá (um pequeno mamão esquecido que nem todo mundo conhece no Brasil). E, a reabilitação de alimentos, como esses, também promove a proteção da biodiversidade local, uma vez que há uma conexão entre aquilo que comemos, as escolhas que fazemos, a recuperação de receitas (tradição) e possibilidades gastronômicas (inovação) implementadas dentro dos restaurantes ou fora deles com a venda de produtos gastronômicos e a defesa da biodiversidade regional”.

João Francisco Dias e seu neto Nícolas Kairalla Dias
Por: Sandro Dias

Segundo ele, a gastronomia é sem dúvida um mecanismo sofisticado que implica em distinção social, em relações de poder e coisas que são acessíveis ou não são a maioria da população, porém, o fato de ela estar em todos os lugares, se comunicar com as pessoas e ter uma certa visibilidade também pode torná-la um veículo de disseminação de determinados valores. “Então, por exemplo, se a dona de casa e o trabalhador mais simples tem contato com esse tipo de conhecimento por meio da educação do gosto nas escolas ou mesmo por meio da mídia, ele vai, no caso dessas iniciativas sustentáveis, ver a valorização das feiras dos produtores locais, daquelas coisas que ele julga trivial e até menos importante e essa valorização vai acabar impactando positivamente para o uso desses produtos”, pontua Dias. Esse processo, conclui, é, em certo sentido, um processo de desglobalização, ou seja, uma preocupação com aquilo que está no entorno, promovendo os produtos locais e a agricultura familiar ao invés dos grandes sistemas de produção e consumo que, além de tudo, geram um índice absurdo de desperdício.

É importante dizer que quando se fala de gastronomia pode até parecer algo supérfluo ou um conhecimento que não é sério, mas o que comemos é uma das coisas mais sérias que existem. “Estamos diante de um paradigma dominante representado pelo grande sistema de produção e consumo de alimentos, mas podemos caminhar sim para um paradigma novo, emergente que possa revolucionar a nossa relação com os alimentos”, afirma o pesquisador. Assim, é preciso cada vez mais conhecimento da história da alimentação e repensar o modo como a gastronomia vem sendo utilizada, sendo que isso pode não só fortalecer essas pequenas cadeias produtivas, mas reabilitar muito da cultura brasileira, de comunidades indígenas e remanescentes quilombolas, além dos saberes tradicionais.

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