Pesquisa da USP é a primeira a estudar Convenção da Cidade do Cabo e seus efeitos no setor aeronáutico brasileiro

Fonte: Reprodução

O advogado Felipe Bonsenso Veneziano defendeu recentemente a primeira dissertação de mestrado sobre a Convenção da Cidade do Cabo, que estabelece normas que visam maior segurança aos credores em operações de financiamento de equipamentos móveis. Especialista em Direito Aeronáutico, o pesquisador sustentou que as regras da Convenção e do Protocolo Aeronáutico deveriam ser adotadas com valor de lei devido ao grau de especialização das normas, posição semelhante a da decisão de 25 de maio tomada pelo STF em relação às Convenções de Varsóvia e Montreal.

A Convenção sobre Garantias Internacionais Incidentes sobre Equipamentos Móveis foi realizada em 2001 na Cidade do Cabo (África do Sul) e atualmente 43 países fazem parte, dentre eles, os Estados Unidos e os Países Baixos, além da União Europeia. “A Convenção tem por objetivo uniformizar e harmonizar certas regras relativas à constituição e execução da garantia (o próprio equipamento negociado se torna a garantia da dívida), proteção aos credores, registro de exportação de aeronaves, para que se aumente o ambiente de segurança jurídica, diminua o custo de transação e melhore a oferta de crédito no setor”, explica o pesquisador. O sistema elaborado na Cidade do Cabo trata não apenas de material aeronáutico, mas também espacial e ferroviário. O Brasil assinou apenas o Protocolo Aeronáutico, em 2001. Em 2007, adotou também o Protocolo Ferroviário, que ainda não entrou em vigor.

Apesar de já ter assinado o tratado há 16 anos, a ratificação pelo Brasil ocorreu apenas em 2012. Os acordos internacionais assinados precisam passar por um processo de internalização, no qual são feitas adequações das determinações à legislação brasileira, para ter eficácia de norma interna por decreto presidencial. “A maior dificuldade para internalização foi que a Convenção, por influência de ordenamentos jurídicos anglo-saxônicos, que têm o conceito de self-help (auto-tutela), permite que, por exemplo, se o credor verifica um evento de inadimplemento, ele vá até a companhia aérea e confisque a aeronave. O Brasil não permite que se tomem medidas com as próprias mãos, então foi estabelecido, via declaração, que toda medida adotada do protocolo precisa passar pelo judiciário”. Além dessa dificuldade conceitual, Bonsenso aponta também o problema da conscientização dos órgãos da administração pública sobre a importância da convenção para o país, tendo dependido de lobby das companhias aéreas brasileiras e da EMBRAER.

A discussão sobre relação entre o Direito Internacional e a legislação nacional, em relação à eficácia dos acordos, cresceu nas últimas décadas, principalmente com a expansão da globalização e dos órgãos internacionais. O autor da dissertação destaca a importância da adoção e aplicação de tratados internacionais, mesmo em situações de conflito de lei. “O que deve prevalecer? A lei interna ou o tratado? Acredito que a convenção deve sempre prevalecer pelo critério de especialidade. Ela é uma lei especial (após a ratificação, os tratados ganham status de lei ordinária), muito mais que o Código Civil, que é uma lei geral, e até mais que o Código Aeronáutico Brasileiro”.

A adoção da convenção teve efeitos quase imediatos, facilitando a negociação da empresa LATAM em 2015, de estrutura de financiamento aeronáutico sem precedentes no Brasil. A estrutura adotada depende de notas altas das empresas de avaliação de risco em relação ao papel da companhia aérea; sem a convenção, o Brasil não tinha jurisdição sólida o suficiente para receber notas altas, principalmente em comparação a países como o Reino Unido, cujo ordenamento jurídico é forte na questão aeronáutica. A proteção jurídica e a diminuição dos custos trazidos pelo acordo servem como um propulsor do setor, permitindo que as companhias aéreas se modernizem e engajem em acordos internacionais mais facilmente, devido a uniformização das regras aplicadas.

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