Restrição hídrica está relacionada ao padrão de uso de água dos agentes econômicos

Segundo pesquisa, 74% da Água Virtual exportada inter-regionalmente, em 2009, eram provenientes de bacias onde o Balanço Hídrico era preocupante.

A Bacia do Tietê, por exemplo, é altamente dependente de uma bacia com problema de estresse hídrico. Foto: Ayrton Vignola/AE

A questão do gerenciamento sustentável de água tem sido considerada um dos maiores desafios do século 21. É por este motivo que Jaqueline Coelho Visentin, em pesquisa pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, procurou identificar em seu estudo os principais setores ou atividades da economia e regiões usuárias da água nacionais. Para isso, estimou as exportações e importações inter-regionais de Água Virtual — volume total de água incorporado ao longo da cadeia de produção de um dado produto – bem como as Pegadas Hídricas das 56 Bacias Hidrográficas do Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) “Minha tese procurou entender um pouco melhor a questão do uso da água do lado da demanda, o quanto o padrão de uso da água impacta a disponibilidade hídrica”.

Segundo a pesquisadora, os cenários de restrições hídricas não parecem estar muito relacionados à questão da variabilidade na disponibilidade hídrica, mas, sim, ao padrão de uso da água, isto é, ao modo como os agentes econômicos têm utilizado os recursos hídricos. Apesar de ser considerado um país com disponibilidade hídrica per capita satisfatória, as dimensões continentais do Brasil resultam em uma grande desigualdade regional no que se refere à disponibilidade hídrica. Por exemplo, 80% da disponibilidade hídrica nacional está concentrada na região hidrográfica amazônica, onde há um baixo contingente populacional, enquanto há 7% na região hidrográfica do Paraná, que é a região que apresenta a maior concentração populacional. Por isso, não é raro encontrar lugares com restrição de água dentro do Brasil, ainda mais com a crescente demanda por recursos hídricos.

Com base no modelo insumo-produto, Jaqueline calculou o comércio inter-regional de bens e serviços entre as regiões e, em seguida, os fluxos de Água Virtual. Para isso, o Brasil foi desagregado em 56 bacias hidrográficas, que é a divisão utilizada para o gerenciamento de recursos hídricos do PNRH, e cada uma dessas bacias tinha 50 setores econômicos. Construiu também uma base de dados sobre o uso da água doce por parte das atividades econômicas de cada bacia estudada, de acordo com as informações da Agência Nacional das Águas (ANA) e do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Diante disso, conseguiu mapear os fluxos econômicos de uma região para outra, estimar o volume de água embutido nesses fluxos e a analisar qual seria a interdependência hídrica entre as bacias, ou seja, o quanto de água virtual uma compraria e venderia para outra.

O estudo apontou que o principal setor usuário de recursos hídricos é a agricultura, como já é sabido na literatura especializada. No entanto, boa parte da literatura não calcula o consumo indireto de água, ou seja, o volume de água embutido nos insumos. Segundo Jaqueline, quando se considera esse volume de água, alguns setores que não eram intensivos em água, passam a ser. É o que acontece no setor industrial, por exemplo, na fabricação de açúcar e álcool, porque a água utilizada na plantação de cana-de-açúcar também está sendo contabilizada.

A pesquisa identificou que, na maioria dos casos, a maior parte da água utilizada nas bacias vêm de outras bacias (importações de Água Virtual) e a mesma coisa acontece do ponto de vista da captação, ou seja, a maior parte de água captada é destinada às exportações inter-regionais. Além disso, as principais bacias exportadoras de Água Virtual apresentaram um Balanço Hídrico no mínimo preocupante no período. “Isso é um ponto controverso se pensarmos na segurança hídrica”, afirma Jaqueline. Foi verificado que dentre as 26 bacias onde o balanço hídrico, em 2009, era considerado preocupante, crítico ou muito crítico, as exportações inter-regionais de água virtual ameaçaram a disponibilidade hídrica local. Isto é, estão direcionando os recursos hídricos internos para a produção de bens e serviços a serem exportados.

Apesar de não apontar alternativas para evitar essa situação, a pesquisadora acredita que seria interessante tentar internalizar o custo de uso dessa água escassa através de algum imposto ou precificação. Além disso, adotar tecnologias mais eficientes no uso da água e outras políticas, como marcos regulatórios que impeçam extração de água para o nível acima daquele considerável sustentável.

De acordo com Jaqueline, existe uma extensa literatura na área de estimação de fluxo de água virtual voltada para o mercado internacional. “Como o Brasil é conhecido por ser um país com uma boa disponibilidade, poucas pesquisas se direcionaram a estudar o caso do Brasil, porque, aparentemente, não existe um problema de água aqui”. Sabe-se que isso não é verdade, e a pesquisa contribui para um maior entendimento sobre o comércio inter-regional entre as bacias.

As evidências encontradas no estudo ressaltam a importância de se conhecer a estrutura de demanda e oferta de água doce das economias locais. Jaqueline afirma que uma das suas preocupações foi realizar uma pesquisa que pudesse auxiliar na adoção de políticas públicas: “Fiquei bastante preocupada em produzir dados que sejam úteis à gestão de recursos hídricos, por isso trabalhei com a base de dados e o recorte regional utilizados no  PNRH. Assim, quando a tese se tornar pública, acredito que vai ser bastante útil do ponto de vista de gerenciamento sustentável da água”.

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