Zona Norte de São Paulo é a mais poluída para quem utiliza transporte público

Estudo da USP que visa entender a qualidade de vida do usuário de ônibus e metrô de grandes cidades mapeou a concentração de poluentes em linhas da capital

Região da estação de metrô Santana, na linha 1-azul, localizada na Zona Norte de SP. Gazeta Zona Norte

Os moradores da região Norte da cidade de São Paulo provavelmente são os que mais sofrem com a absorção de poluentes nos deslocamentos diários pela cidade. Segundo levantamento feito por cientistas do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (IAG), a região que margeia a linha 1-azul do metrô, desde a marginal do rio Tietê até o bairro do Tucuruvi, é a que mais concentra partículas finas e resultantes da queima de combustíveis.

O estudo é parte de um projeto maior chamado Astrid (Acessibilidade, Justiça Social, Impactos das Emissões no Transporte e Desenvolvimento de Estratégias), que visa a compreender a influência de diversos fatores – como distribuição de renda, poluição e  tempo gasto para deslocamentos – na qualidade de vida da população que utiliza o transporte público. A ideia é que sejam comparados resultados dos diferentes campos de pesquisa em três metrópoles mundiais: São Paulo, Londres e Amsterdã.

“O Astrid é muito amplo, envolve vários pesquisadores das mais diversas áreas do conhecimento. A frente em que estamos empenhados no IAG é a de entender a poluição em cada meio de transporte utilizado pela população. Já examinamos ônibus e metrô, e ainda o faremos para carros e bicicletas”, explica a professora Maria de Fátima Andrade, coordenadora da pesquisa.

Em relação à qualidade do ar e o quanto isso interfere na saúde da população, a professora ressalta ser algo que depende de uma série de variáveis, não apenas da concentração de partículas, mas também do meio utilizado e do tempo de exposição. “Uma pessoa que demora 15 minutos para chegar ao trabalho absorverá muito menos poluentes do que aquela que leva mais de uma hora, por exemplo.”

Coleta de dados

A avaliação dos pesquisadores consistia em observar a concentração de dois tipos de poluentes: partículas finas e as resultantes de combustão. As partículas finas foram divididas em um grupo de até 2,5 micrômetros e em outro de até 10 micrômetros, números que indicam diferentes graus de penetração no sistema respiratório. Os poluentes da combustão foram chamados de blackcarbon.

Para realizar as medições, foram utilizadas mochilas especiais, que continham equipamentos sensíveis a cada tipo de poluente, integradas a um sistema de GPS. Dessa maneira, o registro das concentrações era permanente, o que possibilitou avaliar não apenas a média de um determinado trajeto, mas também cada ponto de maneira específica. Já os locais escolhidos se basearam no deslocamento de pessoas pela capital paulista.

“As linhas escolhidas para avaliação foram as que cortam a cidade, tanto no sentido leste-oeste, como no norte-sul. Isso foi determinado a partir da análise de mapas de bilhetagem da capital, feitos pela Escola Politécnica da USP, cuja conclusão foi a de que as pessoas embarcam nas periferias da cidade e se dirigem para o centro”, conta Veronika Brand, principal responsável pelo estudo.

Ilustração com as linhas avaliadas. AUN/Veronika Brand

 

Foram considerados, portanto, um trajeto de ônibus norte-sul, com as linhas 2011 e 175T (Edu Chaves/Metrô Santana/Metrô Jabaquara), e um trajeto leste-oeste, com as linhas 4310 e 702U (Metrô Itaquera/Term. Pq. D. Pedro/Cidade Universitária). Para o metrô, as medições foram feitas nas linhas 1-azul (norte-sul), 3-vermelha (leste-oeste) e 4-amarela.

 

Resultados

Os resultados obtidos indicam que, no metrô, é maior a presença de partículas finas, em virtude do atrito dos trilhos com o trem, durante a frenagem nas estações. Já os ônibus, por serem consumidores de combustíveis altamente poluentes, como o óleo diesel, registraram altos percentuais de blackcarbon.

Em relação às partículas de até 2,5 micrômetros, as médias registradas nas linhas azul e vermelha são, respectivamente, de 46 e 32 microgramas por metro cúbico, acima do estipulado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de 25 microgramas, embora esse índice equivalha a locais abertos. Para as partículas com até 10 micrômetros, os limites definidos também são ultrapassados. Já a linha amarela apresenta índices menores. “Acreditamos que o fato de contar com maior isolamento entre o trem e a plataforma, devido às portas de segurança, favoreça a linha amarela a ter menor concentração de partículas finas.”, sugere Maria de Fátima.

 

Transporte Linha Black Carbon (µg/m³) Partículas até 10 µm ( µg/m³) Partículas até 2,5 µm ( µg/m³)
Ônibus Leste-Oeste 8,919 13,82 15,87
Norte-Sul 6,643 17,55 20,62
Metrô Azul 5,974 40,09 46,17
Vermelha 4,904 28,45 31,97

Já em relação ao blackcarbon, evidenciou-se que os passageiros de ônibus estão mais propícios a essa exposição do que os de metrô. Enquanto as médias do metrô, em microgramas por metro cúbico, foram de 5,9 (azul) e 4,9 (vermelha), as dos trechos de ônibus foram de 8,9 (leste-oeste) e 6,6 (norte-sul).

Como dentro dos ônibus é possível obter sinal de GPS, foram observados os pontos específicos das rotas em que a poluição é maior (veja ilustração abaixo).  Em relação às partículas finas, percebe-se que no trajeto leste-oeste sua presença é bem pequena, enquanto no norte-sul é maior. Contudo, a concentração na zona norte, a partir do rio Tietê, destaca-se dos outros trechos, o que é perceptível pela cor vermelha do mapa.

 

Para o blackcarbon, ocorre uma melhor distribuição pela cidade. Embora a zona norte continue a figurar entre os destaques, locais como os extremos leste e  sul, além da avenida Rebouças e da rua da Consolação, também aparecem como muito poluídos. Regiões verdes e com pouca circulação de automóveis, como o campus da USP, no Butantã, e o parque do Ibirapuera, apresentam baixas concentrações desse tipo de poluente.

Modelo mostra a concentração de black carbon nos trajetos. AUN/Veronika Brand

 

Proposta

O estudo procura dar uma melhor visão da qualidade de vida no transporte urbano e propor melhorias no sentido de favorecer a população. A diminuição do número de carros, por exemplo, pode reduzir as taxas de poluição em toda a cidade. Já a expansão dos transportes sobre trilhos, por proporcionarem um menor tempo de locomoção, diminuiria a exposição dos cidadãos aos poluentes. Corredores de ônibus também atuam nesse sentido.

A bicicleta, por sua vez, apresenta contradições. Embora seu aumento favoreça a redução do trânsito e do número de veículos circulando, o ciclista absorve muito mais ar durante seu deslocamento, em virtude da atividade física. Com a respiração acelerada em locais poluídos, deslocar-se de bicicleta em avenidas muito movimentadas pode ser uma ideia não muito saudável.

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