Telescópio gigante deve expandir as atuais fronteiras da astronomia

Consórcio entre USP, Fapesp e universidades estrangeiras propiciará um conhecimento do Universo nunca antes imaginado

AUN/GMT

Uma parceria científica entre cinco países, entre eles o Brasil, deve revolucionar conceitos da astronomia, confirmar ou negar hipóteses dos cientistas de hoje e, talvez, revelar descobertas sobre a existência de vida fora do planeta ou sobre a origem do Universo. Concebido por universidades dos EUA, Austrália e Coreia do Sul, além do Brasil, que é representado pela Fapesp e conduzido pela USP, o GMT (Telescópio Gigante Magalhães) será o primeiro de uma série de telescópios considerados gigantes, com proporções monstruosas se comparados aos atuais.

As estruturas básicas já estão sendo montadas no deserto do Atacama, no Chile, quinto participante da parceria. Previsto para estar em pleno funcionamento até 2024, o telescópio será, no ato de sua inauguração, o maior do mundo. Uma estrutura que passará de 4 mil toneladas de aço vai abrigar alguns espelhos de ponta que, em conjunto, atuarão como um só espelho de 25 metros de diâmetro.

“É um equipamento realmente ousado e inovador na pesquisa em astronomia. Com esse espelho gigante, teremos uma capacidade de coleta de imagens 100 vezes maior que o Hubble, por exemplo, com uma definição dez vezes melhor. O investimento brasileiro proporcionará que nossos futuros estudiosos joguem no primeiro time da ciência mundial”, explica o professor João Steiner, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (IAG), um dos responsáveis brasileiros pelo projeto.

Localização do telescópio no deserto do Atacama. AUN/GMT

O Gigante Magalhães, cujo nome é uma homenagem ao navegador português que efetivou a primeira circunavegação da Terra, tem um orçamento de aproximadamente US$ 1 bilhão, do qual a Fapesp entrará com US$ 40 milhões, 4% do valor total, o que dará aos cientistas brasileiros a mesma proporção de tempo de operação do telescópio. “Os valores podem assustar um pouco, mas são ínfimos se comparados aos benefícios científicos que serão propiciados ao Brasil”, argumenta Steiner.

Funcionamento

Estrategicamente posicionado no deserto chileno, em virtude de condições favoráveis à observação, como o céu bem escuro (ausência de poluição e luz), a baixa umidade do ar e a altitude de 2.500 metros, o grande diferencial do telescópio é o tamanho do espelho, que proporcionará imagens mais nítidas, longínquas e profundas.

Segundo o professor Augusto Damineli, outro responsável do IAG pelo projeto, é comum as pessoas pensarem que os telescópios captam as imagens através de lentes, quando na realidade eles utilizam espelhos. “Galileu usava lentes para fazer as imagens, mas depois Newton descobriu que os espelhos côncavos, que são mais baratos do que elas, possuíam uma eficácia muito maior. Desde então praticamente todos os telescópios utilizam espelhos”, conta.

Projeção dos espelhos que irão compor o GMT. AUN/Cedido pelo projeto

Cada um desses espelhos demora cerca de quatro anos para ficar pronto, o que inclui processos como a moldagem, resfriamento e polimento. Com quase 17 toneladas, eles estão sendo fabricados na Universidade do Arizona, nos EUA.

Outro aspecto interessante do GMT é seu mecanismo de correção de imagens por laser. Por estarmos dentro da atmosfera, existem distorções da luz devido presença de camadas de ar. As correções feitas por laser propiciam maior nitidez às imagens, como se tivessem sido obtidas fora da Terra.

Perspectivas

As possibilidades oferecidas pelo telescópio serão essenciais para novas descobertas, além da confirmação de hipóteses. Entre as expectativas dos cientistas estão a observação de vestígios que remetam aos primórdios do Universo e ao Big Bang, além da indicação de planetas análogos à Terra, com condições de abrigar vida.

“Como o telescópio pode captar imagens muito mais longínquas, talvez possamos explorar todo o Universo desde a formação dos primeiros astros, há cerca de 17,5 bilhões de anos”, sugere Damineli.

Já Steiner se empolga com possibilidades de vida fora da Terra. “Hoje conseguimos encontrar planetas dentro da zona habitável (que podem conter água líquida), para além do sistema solar, mas ainda é impossível caracterizá-los”.

Contudo, o que se aguarda ansiosamente é o novo no campo da astronomia. “O mais interessante de toda empreitada científica não é a possibilidade de confirmação de ideias que já existem, mas, sim, a descoberta daquilo que não suspeitamos”, conta.

Aplicações

Segundo os responsáveis, os benefícios e aplicações esperados para o GMT estão basicamente em três grupos: os científicos, pela propagação do conhecimento e pelo desenvolvimento da pesquisa astronômica brasileira; os educativos, através das ações de divulgação científica para as escolas e população em geral; os industriais, pelo desenvolvimento de novas tecnologias.

“A ideia é que exista uma aplicação econômica, pelo desenvolvimento de novos meios de produção, o que ajuda a alavancar a indústria dos países participantes”, defende Steiner. “Mesmo não sabendo precisamente quais frutos teremos, é certo que eles existirão. Países desenvolvidos econômica e industrialmente são aqueles que investem em ciência e educação.”

Por outro lado, o professor defende que a astronomia já forneceu importantes descobertas que, posteriormente, teriam aplicação econômica e cotidiana, embora essa não fosse sua intenção. “O objetivo inicial do cientista é sempre o conhecimento. Porém, ele pode estender-se ao campo econômico. A astronomia é mãe de descobertas como a ótica, os relógios, a física de plasma e da própria engenharia. É difícil saber onde toda a pesquisa vai dar, mas a ciência nunca é em vão. A tecnologia são os cérebros.”

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