Brasil é líder em raios no planeta, mas destaque é de lago venezuelano

Estudo de pesquisadora do IAG-USP contabilizou, durante 16 anos, os locais de maior incidência de descargas elétricas no planeta

Tempestade na cidade de São Paulo. Foto: Wikimedia Commons

Uma pesquisa liderada pela professora Rachel Albrecht, do IAG-USP, em parceria com a Nasa, agência espacial dos Estados Unidos, monitorou, quantificou e mapeou as regiões da Terra onde os raios são mais frequentes. De acordo com os resultados, o Brasil é o país onde ocorrem mais descargas elétricas no planeta, mas o lago Maracaibo, localizado na Venezuela, é a região que mais concentra esses fenômenos.

Durante 16 anos, foram colhidas informações a respeito do comportamento dos raios no mundo, a partir de satélites da Nasa próximos à atmosfera. “Utilizamos satélites de órbita baixa, que estão mais próximos à Terra, que continham como que câmeras de vídeo”, explica Rachel. “Conforme as nuvens descarregam os raios, o ar no canal do raio se converte em plasma, tamanha a energia recebida, emitindo ondas eletromagnéticas em quase todo o espectro, sejam luminosos ou não. O que as câmeras captavam eram essas ondas, e ali identificávamos a presença de raios”, completa.

O estudo compreende, portanto, uma observação acima das nuvens, o que implica na consideração de todos os tipos de raios, inclusive os que ocorrem dentro das nuvens, e não apenas os que chegam ao solo. Em média, 90% das descargas totais do globo ocorrem dentro das nuvens e apenas 10% atingem o solo.

Uma diferenciação da pesquisa em relação às anteriores foi a resolução utilizada. Anteriormente, as faixas de território analisadas correspondiam a 0,5º de latitude/longitude, o que baixou para 0,1º, aumentando a precisão de localização. “O fato de analisarmos porções menores da atmosfera permitiu fazer um mapeamento mais preciso, evitando que uma região ficasse marcada pela média entre seus extremos”, justifica a pesquisadora.

Desse modo, foi possível detectar “pontos” terrestres de grande ocorrência de descargas elétricas, além de diferenciá-los e mapeá-los. “Com os dados, montamos um ranking de locais e condições mais propícios aos raios. Além disso, excluímos todos os pontos num raio de 100 km de um ponto anterior, a fim de evitar repetições de regiões com características similares, e montamos um mapa”, relata Rachel.

Gráfico mostra distribuição de raios no planeta. Imagem: Rachel Albrecht

 

Ranking

 Segundo o ranking feito pela equipe do estudo, o ponto terrestre com maior concentração de raios no mundo é o lago Maracaibo, o maior da América do Sul, localizado na Venezuela. Essa região concentra aproximadamente 3 milhões de raios anualmente, uma média de 232 raios por quilômetro quadrado a cada ano.

A explicação para essa alta incidência é a umidade do lago, somada ao clima quente da região e às montanhas ao redor. “O lago Maracaibo é grande, além de ser cercado por montanhas e estar numa região de altas temperaturas. Com essa combinação, durante a noite, a superfície ao redor do lago se resfria mais rápido do que a água, levando a um vento de brisa em direção ao lago. Como o lago é redondo, há uma convergência de ar sobre o lago quente e úmido, forçando o ar a subir. Conforme o ar ascende na atmosfera, resfria-se e uma grande nuvem de tempestade é formada pela condensação de água e formação de gelo, que é o responsável pelos raios dentro das tempestades”, conta Albrecht.

Em segundo lugar na pesquisa vem a região de Kabare, localizada na República Democrática do Congo. Esse país, inclusive, é o que concentra mais pontos entre os primeiros do ranking, favorecido pelo clima quente, úmido e pelo aspecto florestal. Proporcionalmente à área, é o país com maior concentração de descargas elétricas. Entretanto, perde para o Brasil em números absolutos.

“Normalmente os estudos dizem que o Brasil é o país com mais raios do mundo, mas existe a omissão de um detalhe importante”, conta a professora. “Nosso país não possui pontos de concentração intensa de raios, mas o fato de ter o maior território em latitudes tropicais o torna líder na incidência das descargas”, completa. Em todo o território brasileiro ocorrem em média 105 milhões de raios a cada ano, enquanto que na República Democrática do Congo ocorrem cerca de 95 milhões de raios em uma área quase quatro vezes menor que a do Brasil.

A região brasileira melhor colocada no ranking é a de Manacapuru, localizada na margem leste do Rio Negro, próxima a Manaus, na 191º posição.

AUN/João Victor Escovar

 

A causa dos raios

 Segundo a professora Albrecht, os raios são fenômenos que surgem a partir da separação de cargas elétricas, que ocorrem no interior das nuvens. Em regiões com altas temperaturas e umidade, o ar quente sobe, por ser menos denso, e leva consigo vapor de água. Ao subir e deparar-se com uma temperatura menor, a água se condensa e depois se transforma em gelo. Os choques entre as pedras de gelo causam a separação de cargas elétricas e, quando essa separação é insustentável, acontece a descarga.

Regiões montanhosas também favorecem as tempestades porque funcionam como uma barreira para o ar quente, que tende a subir, condensar-se e gerar precipitações, que em casos mais graves acompanham raios.

Horários e épocas do ano

 O estudo também mapeou os horários de maior ocorrência de raios em cada região, além das épocas do ano em que o fenômeno é mais comum. Em relação às épocas, a explicação é mais simples: no Hemisfério Norte, as descargas ocorrem mais nos meses de junho, julho e agosto, enquanto no Hemisfério Sul, acontecem nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro, que correspondem ao verão em cada uma das regiões. Como já foi explicado, o calor é um dos fatores que mais influencia na formação de precipitações e tempestades.

Já em relação aos horários a diferença se dá entre pontos de terra firme (continente) e pontos cobertos por água (oceanos e lagos). Nos continentes, o horário com maior ocorrência de raios é durante a tarde, na faixa das 15h às 18h, enquanto nos mares e lagos as descargas se concentram no período noturno, das 18h às 3h.

Raios distribuídos por horários e épocas do ano. Rachel Albrecht

“A água demora mais para se aquecer e para se resfriar do que a terra”, discorre Albrecht. “Durante a tarde a terra já está quente, enquanto a água ainda não. Assim, o ar sobre os continentes desloca-se para o alto, formando as tempestades. Já no período da noite ocorre o contrário: enquanto o continente já se resfriou, a água ainda mantém parte do calor que acumulou durante o dia. A movimentação dos ventos é inversa e, portanto, as tempestades formam-se sobre as águas”.

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