Pesquisa avalia as formas de representação do indígena durante o período colonial

Da FFLCH, trabalho mostra as diferentes nuances e preceitos ideológicos que permearam a forma de descrevermos os povos nativos

Representações do indígena foram analisadas a partir de uma série de fontes documentais, algumas produzidas por importantes figuras da história brasileira. Imagem: www.ebc.com.br

Por Marcos Hermanson Pomar – marcoshpomar@gmail

“Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijamente sobre o bater; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram”. Algumas centenas de anos atrás, essa foi a primeira vez em que os primeiros habitantes do pedaço de terra que hoje chamamos Brasil ocuparam com tinta as páginas de um relato.

Da data em que Pero Vaz escreveu a Carta de Achamento do Brasil até hoje, eles foram classificados bárbaros, selvagens, gentios e canibais, numa profusão de termos generalizantes, que pouco servia para descrever sua diversidade. A partir do estudo de uma série de fontes documentais, algumas produzidas por importantes figuras da história brasileira, que Rodrigo Brucoli, pesquisador da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), procurou analisar essas representações.

Ele conta que foram três suas principais referências ao longo estudo: “Primeiro o pesquisador colombiano Chincangana-Bayona, que desenvolveu uma extensa pesquisa, no Brasil, mostrando como os modelos estéticos de representação anteriores ao descobrimento foram aproveitados pelos europeus para representar os povos indígenas”, explica. “Depois, o chefe da missão jesuíta no Brasil Manoel da Nóbrega e, por fim ,o francês Jean de Lery, integrante da missão França Antártica”.

Em sua pesquisa, Rodrigo mostra que alguns tópicos são recorrentes no tratamento literário do indígena. A nudez, a sexualidade, o dilema a respeito da presença de alma, a escravização e o catequismo são os principais, segundo ele. “Manoel da Nóbrega dedicou-se especialmente ao tema das dificuldades de catequese dos índios e ao ‘problema’ da alma, que definiria a abordagem que os europeus deveriam ter para com as comunidades nativas”, diz. “Jean de Lery era um protestante que acreditava na danação dos índios, mas que via neles uma sina parecida com os seguidores de sua religião em seu próprio país, por isso era, até certo ponto, simpático com os gentios”.

Quando se trata da mudança nas formas de representação dos indígenas, talvez o conceito que mais valha ser utilizado é o da alteridade, que não existia antes do antropólogo belga Levi-Strauss. Ver-se na pele e dentro dos arcabouços subjetivos dos nativos não era objetivo dos europeus que se davam a retratá-los. Por isso, as fontes daquela época estão, invariavelmente impregnadas com os preceitos cristãos do velho mundo.

“Podemos dizer que de lá para cá as representações mudaram completamente, embora ainda hoje os indígenas sejam muito estereotipados. O Projeto Vídeo nas Aldeias, em que as comunidades indígenas são fornecidas com materiais audiovisuais, de forma que possam registrar sua realidade, é um exemplo dessa mudança de abordagem”.

Brucoli ressalta, no entanto, que a relação entre as narrativas de nossa sociedade e da deles, se as considerarmos separadas, ainda é problemática: “Me parece que muitas vezes há interesse apenas nos mitos fundadores, na história indígena a partir de sua criação mitológica, e que outros assuntos relevantes são deixados de lado”, diz. “É preciso que haja um esforço de entendimento da população indígena em toda a sua complexidade, sem simplificações ou generalizações prejudiciais. Por isso algumas ideias, como a do empoderamento e da valorização da cultura oral, são tão importantes”.

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