Estudo busca comprovar melhoria nas funções cerebrais por maior ingestão de creatina

Através de análise por neuroimagem realizada em crianças, pesquisadores testaram a efetividade da suplementação de creatina na função cognitiva em crianças saudáveis

Creatina também pode ser obtida pela alimentação, sobretudo de carnes vermelhas e brancas. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Por Gabriel Campos – gcampos@gmail.com

Em tese defendida em maio de 2016, o pesquisador Carlos Merege Filho, da Faculdade de Medicina da USP, junto a seu orientador de mestrado, o professor Bruno Gualano da Escola de Educação Física e Esporte da USP, testou a possível melhoria que a creatina poderia oferecer a crianças saudáveis em suas funções cognitivas, como raciocínio lógico, memória e atenção, por exemplo.

A creatina é uma substância formada por três aminoácidos (arginina, glicina e metionina) e que pode ser obtida pela alimentação, principalmente de carnes vermelhas e brancas. É um substrato de uso rápido, ou seja, na comparação com carboidratos, por exemplo, ela seria a primeira substância a ser consumida como energia, até por isso, tem obtido destaque por seu uso na melhora do desempenho em exercícios físicos de alta intensidade e curta duração, sendo importante fonte energética do músculo. A partir dessa ideia, Carlos pretendia testar se a mesma melhora de performance física poderia ser percebida nas funções cognitivas, ou funções cerebrais, já que o cérebro também utiliza a creatina como fonte de energia para operar suas funções.

Em entrevista concedida à AUN, o pesquisador explicou a importância da creatina no funcionamento do corpo humano e ainda apontou as complicações que sua falta podem causar no organismo: “A creatina é uma das principais fontes de energia do corpo humano, tanto para exercícios físicos, como para o funcionamento e desenvolvimento cerebral. Uma vez em que fetos, recém-nascidos e crianças em desenvolvimento apresentam níveis de creatina abaixo do que se considera saudável, eles podem apresentar atraso na aquisição de fala, atraso no desenvolvimento motor e até atrofia cerebral, em casos mais sérios.” Outros sintomas, como estresse e cansaço mental, também podem ser atribuídos a baixas taxas de creatina.

O estudo, apesar de voltado a toda população, concentrou suas atenções a crianças. É uma idade em que o cérebro está em alta taxa de desenvolvimento, a criança está descobrindo a todo instante novas experiências, com um gasto alto de energia, fazendo com que o organismo delas trabalhe incessantemente ao longo do dia. Um cenário ideal para avaliar os estudos sobre a creatina. Além disso, segundo o próprio pesquisador, há também nessa tese uma ambição da equipe: explorar o estudo com nutrientes desse tipo utilizando um público diferente do que a maioria foca, o infantil.

Foram testadas 67 crianças, todas elas saudáveis, o que é importante ressaltar, pois parte do pressuposto que nenhuma delas tem uma deficiência na produção de creatina, com rotina e alimentação reportadas aos pesquisadores. Eles monitoravam se haveria algo muito destoante ao andamento do estudo, como uma carga excessiva de exercício, um período longo sem dormir ou uma alimentação muito desbalanceada, com alimentos pouco saudáveis. Todas elas entre 10 e 12 anos, isso porque, nessa faixa etária, são registradas altas taxas de trabalho cerebral (por neuroimagem), ou seja, é uma fase em que o cérebro está se desenvolvendo bastante e, portanto, gastando muita energia.

As crianças foram submetidas a um período de sete dias de suplementação de creatina, comprada junto a uma empresa americana, sem ligação com a pesquisa, ingerida de forma sintética, sendo 0,3g a cada quilo da criança. Portanto, além da quantidade de creatina obtida pelos alimentos consumidos diariamente, havia uma carga adicional ingerida em pó. Nesse intervalo, realizavam testes para medir o seu desempenho cognitivo, principalmente testes rápidos de raciocínio, justamente para fazer valer essa prioridade fisiológica em utilizar a creatina como energia. Desse montante, foram selecionadas 21 crianças para serem examinadas por espectroscopia por ressonância magnética, das quais 11 realmente recebiam creatina, e as 10 restantes tomavam placebo.

Carlos chegou à conclusão que a creatina não altera a capacidade cognitiva das crianças, mesmo com uma demanda energética muito alta por conta do desenvolvimento. Isso se dá, segundo o pesquisador, pois o cérebro produz sua própria creatina, através de outros aminoácidos ou dela própria, ao contrário do músculo, que precisa de fontes externas como a alimentação ou, no caso dos atletas, a suplementação, pois na sua constituição, existem muitas enzimas que consomem energia, sem uma reposição própria no tecido. O nosso cérebro, quando saudável, por ter um metabolismo da creatina muito alto, capta inexpressivamente os conteúdos de creatina vindos da suplementação ou de outros tecidos do corpo, controlada por uma barreira natural da própria massa encefálica. “No próprio cérebro, a distribuição e utilização de creatina é altíssima e varia bastante. Se varia, é porque lá a produção é muito intensa, ou seja, qualquer quantidade que venha de fora parece ser pouco aproveitada”, pontua Carlos.

 

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