Experiências com camundongos buscam desvendar mecanismos do olfato

O olfato é um dos nossos cinco sentidos. Por meio dele o homem, assim como os demais animais, percebe um vasto número de odorantes que apresentam estruturas químicas diversas. / fonte: reprodução

Por Álvaro Logullo Neto – alvarologullo@gmail

Bettina Malnic é pesquisadora do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da USP, no qual coordena um laboratório que procura desvendar os mais variados aspectos do funcionamento do olfato, sob o ponto de vista molecular. “Utilizamos ferramentas de biologia molecular e celular para compreender os mecanismos envolvidos na detecção e discriminação de odorantes”, resume a professora.

Os odorantes ou cheiros que sentimos, são moléculas voláteis que se adentram no nariz, onde existem neurônios olfatórios que estão em contato direto com o ar, diferentemente da maioria dos nossos outros neurônios. Nos neurônios olfatórios, estão presentes receptores olfatórios, que são proteínas de membrana ativadas pelos cheiros. O neurônio é, então, ativado, despolariza e envia uma informação para o cérebro, tornando possível discriminar os cheiros. “Basicamente essa linha de pesquisa visa entender como o sistema nervoso é capaz de detectar e discriminar os odorantes, desencadeando percepções diferentes”, explica Bettina. “Para isto, estudamos os receptores olfatórios, assim como outras proteínas que estão presentes nos neurônios olfatórios, e que são necessárias para que o olfato funcione normalmente”.

Metodologia e resultados

Para identificar e estudar os genes envolvidos no olfato, o Laboratório se utiliza de experiências com animais knockout [com o gene ‘nocauteado’], como relata a professora: “O modelo animal utilizado em laboratório é o camundongo, que tem por volta de mil genes, ou seja, um grande número de receptores olfatórios, o que explica de certa maneira como um grande número de odorantes pode ser reconhecido”.

Cleiton Fagundes Machado, pós-doutorando no Laboratório, utilizou a tecnologia de Cre-lox, para efetuar um knockout de um gene de maneira tecido-específico, ou seja, o gene passou a ser deletado apenas nos neurônios olfatórios. O gene chamado Ric-8b foi deletado do genoma do camundongo através desse processo e observou-se que o animal gerado sem esse gene funcional é anósmico, ou seja, possui o sentido do olfato muito prejudicado e não é capaz de discriminar cheiros. “Observamos que os neurônios olfatórios desse camundongo knockout morrem mais facilmente, o que pode explicar a anosmia observada nesses animais. Estes resultados indicam que a função desse gene, é essencial para o funcionamento normal do sistema olfatório”.

Epitélio olfatório de camundongo com neurônios olfatórios marcados em verde, através da proteína luminescente verde vista em microscópio / fonte: Laboratório de Neurociência Molecular

A capacidade olfatória desses camundongos pôde ser analisada através de ensaios comportamentais: em uma gaiola com serragem escondeu-se comida em um de seus cantos e então o camundongo geneticamente modificado foi colocado em seu interior. O objetivo era medir o tempo que ele levaria para encontrar a comida e compará-lo com o tempo levado por um camundongo normal. “Vimos que o camundongo knockout leva um tempo maior, indicando que ele não tem o sentido do olfato tão bom quanto o outro”, comenta a professora.

Bettina também conta que ao longo do tempo mudanças de abordagem em sua pesquisa foram realizadas, o que favoreceu para que o laboratório chegasse aos resultados que possui hoje. Inicialmente, ao se realizar o knockout total (em todos os tecidos)do gene Ric-8B, foi observado que o desenvolvimento embrionário dos camundongos era inviável, ou seja, a deleção do gene Ric-8B é letal. “Isso indicou que ele tem uma função importante para a embriogênese também, além de para o olfato. Essa descoberta foi totalmente inesperada para nós, já que no camundongo adulto este gene é expresso preferencialmente nos neurônios olfatórios apenas, e não em outros tecidos”, revela Bettina. Após esta descoberta, é que se optou por mudar a estratégia e fazer o knockout tecido-específico, para se avaliar o papel do gene no olfato.

Sabe-se que o gene Ric-8b correspondente em seres humanos é muito semelhante ao dos camundongos no que diz respeito a suas sequências de aminoácidos: apresentam mais de 95% de identidade. Trata-se, portanto, de uma proteína que ao longo da evolução se manteve muito conservada. É possível que no homem ela desempenhe também um papel importante no olfato e no desenvolvimento embrionário, questões estas que devem ser investigadas no futuro.

Perspectivas futuras

O Laboratório ainda busca esclarecer os mecanismos através dos quais a ausência de Ric-8b leva à morte dos neurônios olfatórios. A compreensão destes mecanismos poderá contribuir no futuro para intervenções que propiciem a sobrevivência destes neurônios, combatendo desta maneira eventuais deficiências olfatórias. “Outra questão interessante na área de olfato é compreender como comportamentos dependentes do olfato são gerados, ou seja, como um cheiro vai ser propagado para desenvolver um determinado comportamento”, conta a pesquisadora. “Poderemos utilizar este nosso modelo animal para estudar se a anosmia contribui para diferentes tipos de transtornos mentais como ansiedade e depressão, ou distúrbios alimentares”.

Bettina ainda comenta a importância de seus estudos relacionados ao olfato, um sentido por muitas vezes negligenciado com relação aos demais: “Sua ausência atrapalha e compromete muito a qualidade de vida das pessoas. Os aromas, que contribuem para o sabor dos alimentos, por exemplo, são reconhecidos principalmente através do sentido do olfato”, conta. “Além disto, o sentido do olfato pode ser um indicador de problemas de saúde já que várias doenças são acompanhadas de deficiências olfativas, como Parkinson e Alzheimer.

 

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