Pesquisa da USP investiga a relação entre práticas alimentares e estado nutricional de crianças

O trabalho recebeu uma menção honrosa durante a última edição do Simpósio Internacional de Iniciação Científica e Tecnológica da USP

Coleta de dados contou com mais de 350 bebês de até dois anos e durou cerca de três meses. Créditos: Revista Donna

Por Amanda Panteri – amanda.panteri@gmail.com

O estudo intitulado Práticas alimentares e estado nutricional de crianças menores de dois anos, de autoria da graduanda da Escola de Enfermagem (EE) da USP, Sarah Pimentel, buscou analisar a relação do histórico alimentar da criança com o seu estado nutricional. Realizada na cidade de Itupeva, a 73 quilômetros de São Paulo, a coleta de dados contou com mais de 350 bebês de até dois anos e durou aproximadamente três meses. As perguntas, feitas às mães, levantaram questões acerca da saúde da criança, da introdução alimentar e do tipo de atendimento recebido durante a gestação e puerpério (período de recuperação do parto), além da avaliação antropométrica do estado nutricional.

O trabalho de Sarah foi fruto de um projeto maior coordenado pela professora da EE Elizabeth Fujimori. Nele, houve a capacitação dos profissionais em aconselhamento nutricional nas Unidades Básicas de Saúde do município para reforçar a importância da orientação alimentar nos primeiros meses de vida, uma vez que as visitas domiciliares realizadas por enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem são imprescindíveis para ajudar a mãe na amamentação e na alimentação do filho. “É uma fase muito crítica em que a mãe precisa do apoio de profissionais capacitados, além de uma rede social de auxílio. Então essa visita domiciliar que a gente faz é muito importante”, afirma Elizabeth.

Na primeira etapa do projeto maior, o estudo de Sarah revelou dados, no mínimo, preocupantes: cerca de 25% das crianças menores de dois anos apresentavam inadequações nos índices antropométricos peso/idade, estatura/idade e Índice de Massa Corporal/idade (este último a indicar predomínio de risco de sobrepeso, sobrepeso e obesidade). As práticas alimentares também se mostraram inadequadas: entre os menores de 6 meses, quase um terço já recebia água ou chá e quase 20% já não era mais amamentado. Entre crianças de 6-23 meses, 84% não consumia nenhum tipo de verdura de folha, enquanto 53% consumia ultraprocessados. Apesar disso, não se constatou associação entre práticas alimentares e estado nutricional.

Claudia Palombo, que participa do projeto como orientanda de doutorado da professora Elizabeth, comenta sobre as principais inadequações encontradas: “O aleitamento materno não é exclusivo até o sexto mês e as crianças começam a receber alimentos altamente industrializados muito precocemente”. Atualmente, é recomendado o aleitamento materno até os dois anos, sendo exclusivo nos primeiros seis meses e complementado com outros alimentos a partir dessa idade. A introdução da alimentação complementar deve ser feita de forma gradual, iniciada com duas papas de fruta e uma papa salgada por dia. Quem as prepara deve estar atento para introduzir um ingrediente de cada grupo alimentar: verduras e legumes, carnes e feijões. Recomenda-se oferecer frutas in natura (amassadas ou raspadas) no lugar do suco não indicado por conter menor densidade energética e induzir altos índices glicêmicos.

Ultraprocessados

A alimentação da própria mãe também deve ser levada em conta nesse período, desde a gestação: “Os alimentos que a gestante consome passam como flavor [sabor] para o bebê, de forma que ele já vai se habituando à alimentação da família”, afirma Claudia. Os alimentos ultraprocessados, como são chamados os produtos para consumo geralmente fabricados em larga escala por indústrias de grande porte, não são recomendados para a mãe e são proibidos para crianças de até dois anos de idade. Contudo, o estudo de Sarah constatou que mais da metade delas os recebiam. “Esses alimentos industrializados são muito ricos em sódio, açúcar e gorduras, componentes que, em grandes quantidades, são prejudiciais ao organismo, principalmente em crianças pequenas”, conta Claudia. E ainda acrescenta: “A própria bolachinha de maizena, que a mãe acha que é inofensiva e geralmente é a primeira coisa que dá para o bebê, é um alimento ultraprocessado rico em açúcar e gorduras, e não é recomendado”.

Incorporação de práticas saudáveis determina formação de hábitos alimentares. Créditos: Blog Madame Amélia

O consumo excessivo desses produtos pode acarretar consequências graves para o indivíduo no futuro. A professora Elizabeth explica que “estudos já mostram a associação entre o elevado consumo de alimentos ultraprocessados e o excesso de peso na adolescência e na vida adulta, com o desenvolvimento de todas as doenças crônicas relacionadas, como obesidade, hipertensão e diabetes”. Ela, que coordenou o projeto Erica – Estudos de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes no estado de São Paulo, ressalta a importância da incorporação de práticas saudáveis, que determinam a formação de hábitos alimentares e são mantidas ao longo da vida.

Mudar os hábitos alimentares é muito difícil em qualquer idade, e, devido a isso, é muito importante adquiri-los desde cedo. “A criança recebe e consome aquilo que oferecem para ela, de forma que o trabalho precisa ser com a família”, afirma a professora. Além disso, falta de tempo e dinheiro contribuem para que as comidas de fácil preparo sejam as mais frequentes na mesa.

Propagandas voltadas para o público infantil são grandes vilãs nesse sentido: a linguagem lúdica, muitas vezes representada por um personagem querido dos pequenos, atrai a atenção e desperta o desejo pelo item. Elizabeth confirma: “A propaganda faz com que a criança queira comer e queira que o pai compre. É tão eficaz que convence a pessoa de que aquele alimento é saudável, mas não é”. Para evitar isso, ela defende políticas públicas que controlem a veiculação de campanhas publicitárias para o público infantil.

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