Pesquisa da USP investiga os efeitos da educação na incidência de AIDS no Brasil

Resultados apontam que programas educacionais específicos para prevenção e tratamento tendem a ser mais eficazes quando comparado com efeitos da educação formal

Brasil concentra 40% das novas infecções do continente latino-americano

Por Carolina Marins – carolinamarinsd@gmail.com

Segundo dados divulgados pela Unaids (programa da ONU para combate à AIDS) em julho do ano passado, a taxa de infectados pelo vírus HIV tem crescido no Brasil nos últimos anos. Embora no mundo a incidência da doença esteja em queda, a América Latina caminha para o lado oposto. Só o Brasil concentra 40% das novas infecções do continente latino-americano. Os números apontam um total de 44 mil novos casos em 2015, contra 43 mil registrados em 2010.

Os dados da Unaids apontam para o crescimento em regiões predominantemente pobres, enquanto as regiões ricas estão observando uma ligeira queda. Esse crescimento em locais com menos recursos incentivou a professora do Instituto de Relações Internacionais da USP, Marislei Nishijima, a iniciar a pesquisa Os efeitos da educação sobre a incidência e mortalidade de AIDS no Brasil, que tem por objetivo investigar a relação entre a educação formal dos brasileiros e o aumento na taxa de aids no país. É um trabalho conjunto com a professora Fabiana Rocha, da Faculdade de Economia e Administração da USP e Lucia Luzi do Banco Mundial  (Washington-EUA).

Status de doença crônica

Até a década de 90 o diagnóstico de aids assustava as pessoas, pois a doença não tinha tratamento e em pouco tempo o paciente morria em decorrência de complicações associadas. Após o surgimento do uso combinado de medicamentos antiretrovirais, conhecido como coquetel da aids, em 1996, a expectativa de vida dos portadores do vírus aumentou e atualmente é possível conviver com o vírus HIV por décadas sem apresentar qualquer sintoma ou mesmo tratar os sintomas de maneira regular. Essa característica conferiu à aids um status semelhante ao de doença crônica, tais como diabetes e câncer.

Segundo Nishijima, o fim do estigma da morte fez com que as pessoas sentissem menos medo do vírus, e decorrente disso, uma redução na preocupação com sua disseminação. A existência de tratamento e a possibilidade de não apresentar sintomas durante décadas, decorrente da terapia preventiva, tendeu a afastar da população a necessidade mais urgente de se prevenir. O que contribui para a disseminação da doença, principalmente entre os mais jovens, que não conheceram a aids com o estigma de morte dos anos 90.

Contudo, a professora alerta para o fato de o tratamento ser caro e bastante impactante para o paciente. Os remédios possuem efeitos colaterais indesejáveis e fortes, e a adaptação às doses diárias pode ser muito difícil, existindo sérios problemas de adesão ao tratamento. “Por ter status de uma doença crônica, você pode comparar, por exemplo, com diabetes. Uma doença com uso contínuo de medicamento, sempre em acompanhamento médico, e portanto, é uma doença de tratamento caro, até pelo próprio preço dos medicamentos”, explica.

Para evitar essa tendência à negligência e relembrar as pessoas dos riscos que a doença traz, se faz necessário um maior uso de propagandas de conscientização. Um dos primeiros resultados da pesquisa é a capacidade que as propagandas promovidas pelo governo têm de influenciar nas taxas da doença. Em geral, quando há programas de alerta em andamento, o número de infectados tende a cair. Porém, quando esses programas são descontinuados, os números voltam a crescer. Seria necessário investir em campanhas de prevenção com alta frequência e em amplo território, contudo, isso requer um alto grau de investimento orçamentário.

Educação e aids

Há uma forte crença de que educação formal, ou seja, o nível de instrução de um indivíduo, está diretamente associada com o contágio  ou com o tratamento. Entretanto, a conclusão da pesquisa de Nishijima aponta para um resultado diferente. Essa educação formal pouco tem a ver com os riscos de uma pessoa contrair a doença ou não. Para isso entram na conta dois fatores: a educação específica e o nível de renda do indivíduo. A educação formal se combina com a renda, pois indivíduos mais educados obtém maiores rendas do trabalho.

A educação específica, explica a professora, se trata de falar diretamente sobre o mal. Mostrar às pessoas as formas de contágio do vírus, como evitar, o seu diagnóstico e o tratamento, tende a ser mais eficaz do que a educação geral em si. É neste momento que as propagandas de conscientização se fazem tão importantes.

Nishijima observa que o HIV/aids possui uma característica diferente das outras doenças: o fato de não possuir recomendações proibitivas. Para se evitar o câncer de pulmão, por exemplo, é recomendado às pessoas não fumarem, pois o tabaco está diretamente relacionado com o surgimento de câncer no pulmão. Já com a HUV/aids não funciona desta maneira. Para evitar a doença não é aconselhado evitar relações sexuais ou o uso de drogas injetáveis, mas sim que se utilize preservativos ou agulhas individuais descartáveis. “Obviamente que neste último caso, por ser um consumo ilícito não há uma recomendação, apenas discute-se a possibilidade.  Note-se entretanto, que o sexo seguro depende grandemente de educação específica e contínua sobre a disseminação do vírus entre as gerações”, afirma a professora.

Por isso a educação específica a fim de orientar a população a seguir essas recomendações é tão necessária. “Não fume” é uma recomendação proibitiva. “Utilize preservativo” não. É um tratamento diferenciado das outras doenças crônicas. Além disso, orientar não apenas a prevenção para que pessoas saudáveis não adquiram o vírus, mas, também, para que pacientes contaminados não o transmitam a outras pessoas.

Contudo, a renda é o fator principal nessa equação. A pesquisa chega à conclusão de que a população de mais alta renda, e, portanto, com maior grau de instrução, apresentava maior número de incidência da aids nas regiões mais pobres do país. Porém, o motivo disso está no fato desta parcela da população ter acesso mais fácil aos serviços de saúde e, dessa forma, chegar a um diagnóstico mais rápido.

Os dados encontrados pelo estudo não dizem que a população de baixa renda esteja se infectando menos, mas, sim, que o diagnóstico demora a ser feito, tendo pessoas que nem ao menos sabem da sua condição. Segundo dados do Ministério da Saúde, cerca de 20% dos brasileiros não sabem que portam o vírus. No mundo, esse número pode chegar a mais de 50%, segundo a Unaids.

Dessa forma, chegou-se à conclusão de que regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos são as que apresentam a maior incidência de aids. Isso pôde ser observado com base na taxa de mortalidade. Quando alguém morre em decorrência da doença, é constatado na autópsia, mesmo que o diagnóstico não tenha sido feito em vida. Então, ao observar a taxa de mortes de pessoas portadoras do vírus, ficou evidente a maior incidência nas regiões afastadas, onde o acesso à saúde é dificultado e algumas propagandas de conscientização podem não chegar.

“A gente encontrou [nas pesquisas] que a educação geral não teria tanto impacto direto nas regiões de acesso [a serviços de saúde]. Mas a educação específica tem. Nas regiões de acesso se tem, em geral, maior quantidade de campanhas, então a educação específica, explicando o que é a aids, funciona para diminuir a incidência”.

Os estudos ainda estão em fase preliminar. Para os próximos passos, a intenção é analisar os efeitos da educação sem a interferência dos dados de acesso, ou seja, compreender o aumento da doença em percentual controlado pela oferta de serviços de saúde.

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