Perfil racial dos docentes da USP analisa baixo índice de professores negros

Segundo o censo de 2015, a Universidade tem apenas 1,83% de docentes negros ativos

Por Victoria Damasceno – damascenovictoria@gmail.com

“Quem escreve o projeto de fundação da Universidade está bem informado que a evolução e a prosperidade do futuro está completamente vinculada à ideia de branquitude, de brancura”, afirma a doutora Viviane Angélica. Com o intuito de analisar a falta de docentes negros e de políticas que aumentem sua inclusão na Universidade de São Paulo, Viviane se propôs a traçar um perfil étnico-racial dos professores, de forma a tornar evidente que o projeto da USP desde a sua fundação, é “higienista”.

Em uma Universidade que é pioneira na discussão racial desde a sua formação, a pesquisadora enfrentou  dificuldades para iniciar sua pesquisa devido a ausência de um censo racial dos professores, principalmente pela baixa incidência de negros na docência. “Eu me deparei com a questão: se a USP é a universidade que mais tem trabalhos sobre a questão racial no país, então por que não tem docentes negros? Quem fez esse debate?”, explica Viviane.

Embora a Universidade tenha sido oficialmente criada somente em 1934, sua pesquisa inicia o diálogo a partir da fundação da Faculdade de Direito, no ano de 1827, que foi posteriormente incorporada à USP. Na tese, a pesquisadora afirma que desde a metade do século 19, corriam no Brasil teoria raciais que atravessaram a Faculdade de Direito e posteriormente a Faculdade de Medicina, onde estavam localizados os homens que deveriam pensar o “novo projeto de país”.

Histórico do pensamento racial na universidade

Aqueles escalados para debater a sociedade brasileira foram permeados pela discussão que corria nas duas faculdades, que propunha discutir o darwinismo social. A teoria se utiliza de aspectos do evolucionismo de Charles Darwin para aplicar às sociedades, no qual a ideia central se vale de que as raças estão em constante evolução segundo as características de quem se adapta melhor ao ambiente, de forma a hierarquizar relações étnicos-raciais.

“Tinha-se a ideia de que a nação estava condenada e a mestiçagem era parte disso. A brancura era o caminho para a evolução”, afirma. A doutora explica que as ideias de democracia racial também atravessaram quem iria pensar no modelo de universidade, em que partir de ideologias eugênicas vindas de correntes europeias do século 20 era a única forma de colocar o Brasil no mapa científico mundial. “A USP foi fundada sobre as bases da educação bandeirante de abrir fronteiras para o país inteiro. Ou seja, isso também deveria ser feito no ensino superior, porém abarcando a ideia de branquitude”.

Para traçar o perfil da USP, foi necessário iniciar a busca a partir dos livros comemorativos propostos pela administração universitária, que apresentavam a narrativa que a instituição queria ter sobre si mesma. A obra de edição comemorativa de 20 anos, feita em 1954, História da Universidade de São Paulo, busca na imagem de Portugal e dos jesuítas os primórdios do projeto da instituição. A pesquisadora ainda diz que em todas as obras produzidas nas comemorações é possível identificar o “projeto USP” que  sempre está lá para “costurar o fio histórico da Universidade”. O planejamento não era declaradamente racial, mas “compôs as bases em que a USP foi se construindo”.

A grande preocupação da elite intelectual da época era a formar uma universidade que pudesse ser pioneira na produção científica, de modo a representar todo o Brasil. A pesquisadora diz que a ideia de grandeza, de avanço científico e de representação internacional é a ideia do projeto, e o que faz a USP se orgulhar de si até hoje. “Basta pegarmos o manual de boas vindas aos calouros que podemos observar que as ideias colocadas há mais de oitenta anos continuam circulando”, afirma.

Ser docente na USP 

O baixo índice de docentes negros na universidade se deve também às formas de ingresso. A pesquisadora diz que o processo de entrada é aleatório, onde não há uma rede que se atente as desigualdades raciais, e que a forma como se reproduz o corpo docente não diz respeito apenas ao grau de excelência do candidato. Viviane mostra a existência de famílias de docentes da universidade, com “sobrenomes solenes, o que denota que o processo de ingresso também funciona como uma forma de herança”.

Negro, o professor doutor Dennis de Oliveira do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de de Comunicações e Artes, crê que uma forma de aumentar o número de docentes negros na USP seriam as cotas raciais nos concursos para professores. Já implementadas no Sistema de Seleção Unificada (SISU) para alunos de graduação, Dennis afirma que estas cotas são “a etapa seguinte para garantir a inserção social da população negra neste espaço”.

“A USP é uma universidade racista e elitista” (Revista Fórum/Reprodução)

Hoje também chefe de departamento, o professor conta que alcançar um cargo de destaque fez com que conseguisse implementar discussões de cunho racial no Departamento, mas que antes precisou se estabilizar e alcançar “capital teórico, cultural, acadêmico e simbólico significativo”. Responsável pelo jornal laboratório Notícias do Jardim São Remo, onde os alunos produzem um jornal comunitário para os moradores do local, Oliveira conta que ocorre uma grande desvalorização da temática e do seu trabalho com a comunidade, de modo que “as atividades ligadas à área comunitária são diminuídas, a ponto de pedirem para acabar”.

No cargo de chefia, sua maior dificuldade é lidar com instâncias superiores para tratar de pautas que reflitam a respeito da situação dos negros na universidades, pois considera a USP uma universidade “racista e elitista”. A aprovação de 13,5% das vagas dos cursos de jornalismo e editoração para cotas raciais no SISU se deu em maio deste ano, depois de intensos debates que se intensificaram devido a “pressão dos alunos durante a greve”. Para o professor, é estritamente necessário mostrar iniciativa para discutir essas questões, pois “a maioria dos colegas [de departamento] não estão muito preocupados com isso”.

Ato político

Viviane enxerga sua tese como um ato político de resistência negra em meio a uma universidade branca. “Eu não sei que extensão isso vai ter, quais ouvidos pode tocar, e de que maneira pode mudar. Mas fiz uma etnografia com história, com narrativa, com análise teórica e sociológica”, explica. A pesquisadora afirma que falar disso é também uma forma de estimular a entrada dos negros na USP, pois “este espaço também tem que ser pra nós. Estão formando docentes negros muito bem capacitados por essa universidade. E depois, fazem o que com esses doutores negros?”.

2 Comentário

  1. Pesquisa muito importante mas, errou de maneira grave em colocar “pardos” e “negros”, a pessoa parda é negra! A divisão que adotamos é pardos e pretos os negros de pele mais clara (pardos) e negros de pele mais escura (pretos) que formam o conjunto de negros e negras no Brasil segundo o IBGE.

  2. Está na hora de realizarmos e publicizarmos pesquisas a esse respeito. A Universidade brasileira continua sendo um espaço de “eleitos” que fizeram intensas elucubrações e depois escreveram tratados e mais tratados sobre a nosso respeito, sem jamais terem realizado um debate com intelectuais negros. Que tal traçarmos o perfil racial de todas Universidades?

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